Cristiana Cera

Cristiana Cera

A miúda da mota azul. Conservadora-restauradora e motociclista.

OPINIÃO

Sim, eu transformei a minha moto!

“O fracasso é simplesmente a oportunidade de começar de novo, desta vez de forma mais inteligente.” Disse Henry Ford.

andardemoto.pt @ 13-3-2023 20:27:03 - Cristiana Cera

Após comprar a Casal Diana G3 que seria para a minha mãe, meti logo mãos à obra. Limpeza suave dos cromados, que na sua generalidade estavam em bom estado, retoque da pintura e um kit de autocolantes novo, à parte de umas pequenas manutenções, ficou de novo com um aspecto cuidado, mas nunca perdendo a patina dos 40 anos que por ela passaram. A cilindrada começou a ser pouca e a decisão de passar para uma cilindrada maior estava tomada. 

Carta tirada. Moto escolhida, uma Yamaha SR 250 de 1992 toda original.

Por esta altura já eu estava influenciada pela onda das modificações de motos clássicas e o estilo das cafe racer que inundaram as redes sociais nos anos vindouros. Então, decidi transformar a minha moto. O estilo escolhido para a minha seria o Brat style. Uma transformação de look clean que não poderia deixar de incluir a cor azul.

Desafios destes sempre me fascinaram. O processo de aprendizagem de algo novo, de horas de pesquisa, descoberta, os erros, a correcção dos mesmos e aprendizagem com eles. O querer aprender sempre me impulsionou a estar constantemente a desafiar-me em novos projectos e desde cedo que tive uma capacidade que me facilitou a aprender algo novo: observar, desconstruir o processo de execução na minha cabeça e dizer para mim mesma “eu consigo fazer isto”. 

Foi ao meu amigo Pedro Duarte, a quem pedi ajuda, que me disse: “serás tu a fazer a transformação completa da tua moto, és mulher para isso, e no que precisares eu ajudo”.


O tempo dele para me começar a ajudar era pouco e eu sempre fui um bocadinho impaciente com o que já estava decidido acontecer. Assim, comecei a desmontar a moto toda, sozinha!

Fiz um sistema de etiquetas em parafusos e peças que não conhecia, no circuito elétrico todo, para me auxiliar na montagem. Tudo guardado em saquinhos e caixas etiquetadas. Toda a parte de pintura e corte de alguns elementos de fixação de tampas originais foi feita por mim. A pintura foi muito fácil, e começar a ver aos poucos a minha idealização ganhar vida… foi inexplicável! Não há palavras para o orgulho que senti ao ver a moto terminada e desde o início que sabia que seria capaz, mesmo quando durante o processo contava às pessoas o que estava a fazer e me chamavam de doida ou gozavam que nunca iria ser moto de novo.

Foi nesta altura que comecei a pensar seriamente no porquê de tanta admiração por uma mulher fazer este tipo de trabalhos. Eu cresci numa família em que a minha mãe e avó faziam elas próprias os trabalhos básicos de pedreiro e carpinteiro lá por casa, poupando muito dinheiro e, digo-vos, as coisas não caíam e funcionavam.

Comecei a perceber que em vez de haver um incentivo e uma normalização, estes assuntos, de uma mulher fazer algo dito “trabalho de homem” (que para mim essa distinção não existe) são tratados como um acontecimento raro e inexplicável, algo que seria impossível e foi feito. As reacções tanto vêm de homens como de mulheres. 


Costumo dizer muitas vezes quando alguém me diz que seria incapaz de fazer o que fiz: “as pessoas conseguem fazer tudo, mesmo aquilo que achavam que nunca conseguiriam, até ao dia em que a vida delas depender disso”.  O caso não é tão extremo, mas a necessidade aguça as nossas capacidades. No meu caso não é só a necessidade, mas um vício de querer aprender a fazer tudo, apenas pelo gozo.

Ainda hoje as pessoas ficam admiradas quando digo que fui eu que fiz a transformação da moto sozinha e que faço as manutenções das mesmas. 

Quando iniciei a página de instagram da @a_miuda_da_mota _azul, um dos intuitos era mesmo esse, incentivar outras mulheres a fazerem coisas fora da zona de conforto e que são assumidas como tarefas de homens. Comecei a promover o hashtag #girlscandoanything e a mostrar o que faço.

Tenho o desejo de um dia ver o papel da mulher no mundo do motociclismo e outras áreas como algo perfeitamente normal, sem holofotes apontados apenas por ser mulher, mas sim pelo mérito de apenas ser uma pessoa a fazer algo bem feito e não apenas porque é mulher, mas lentamente as coisas começam a mudar, e o valor começa a ser dado de forma merecida. Aos poucos se chegará lá, mas tem de começar por nós, mulheres! 

Perder o medo de fracassar e começar a fazer o que gostamos sem pensar no que outros irão pensar e mesmo que se erre, estar tudo bem! Apenas ser feliz a fazer o que nos dá prazer.

andardemoto.pt @ 13-3-2023 20:27:03 - Cristiana Cera


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