Teste Royal Enfield Shotgun - Armas e Barões
A Royal Enfield brindou-nos com mais uma iteração do seu popular motor bicilíndrico de 650 cc. Mais próxima da cruiser Super Meteor do que das desportivas Interceptor e Continental, a nova Shotgun 650 pretende ser uma custom de personalidade vincada mas sem perder o pedigree da restante família.
andardemoto.pt @ 18-6-2024 14:21:12 - Texto: Pedro Alpiarça | Fotos: Luis Duarte
O dia ainda está a começar e eu acabo de me livrar do trânsito infernal que entope as ruas apertadas da aristocrática vila de Sintra. São mini-autocarros, tuc-tucs, velhinhos UMM´s renascidos das cinzas para dar um ar pitoresco à experiência do turista. A estrada que vai dar à Quinta da Regaleira é bonita demais para tanta confusão, toda a sua envolvência cénica e contexto histórico mereciam outro tipo de respeito e parcimónia. Mas este é o mundo em que vivemos, onde as filas para ver a Capela Sistina ou para subir à Torre Eiffel, são tão incomensuráveis que fazem qualquer mortal querer desistir das férias. Seria normal eu querer cometer um lento suicidio quando vejo mais de duas dezenas de senhas à minha frente nas finanças, mas quando estou de férias, o que eu menos quero são tempos desperdiçados. Mas é assim que funciona. Acarretamos a missão na certeza de que esta será uma oportunidade única. Feliz por não não ser turista e por estar a fazer o que mais gosto, numa ironia jocosa vou assobiando dentro do capacete enquanto desenlaço este novelo caótico. “E contudo ela move-se” - já dizia o outro.
Há uma estranha simbiose entre a moto que conduzo e a paisagem que a rodeia. A Royal Enfield tem como apanágio um bom gosto intemporal, em que o look clássico assume uma postura vincada e confiante nos seus atributos. Nesta estrada mergulhada na vegetação secular, o ronronar do motor refrigerado a ar/óleo que faz mover esta máquina azul escura faz de mim uma personagem de outros tempos. Há mais alumínio do que plástico no conjunto dos comutadores, o ponteiro da velocidade sente-se orgulhoso da sua relevância perante o pequeno mostrador digital, há metal, robustez e uma interminável sensação de construção sólida. Sinto que estou num daqueles momentos de epifania motociclística, em que a avalanche sensorial nos faz passar para o campo da metafísica. A nova Royal Enfield Shotgun 650 fez-me encontrar o Nirvana numa estrada perdida em Sintra.
Este fenómeno (felizmente ainda não tão raro) deve-se sobretudo a uma personalidade cheia, a uma feliz soma das suas qualidades inerentes. Tendo já testado anteriormente a Super Meteor, conheço relativamente bem a matriz que dá origem à Shotgun. Um quadro tubular em aço, um motor cheio de carácter e uma ciclística quase de luxo perante soluções aparentemente arcaicas. Analisemos a peça em questão. As suspensões Showa SFF-BP são exímias no seu compromisso turístico desportivo, revelando a sua mestria em escamotear a sua assertividade de um modo refinado ao longo de toda a sua actuação. É fácil perceber o seu brilhantismo quando comparadas com a solução de duplo amortecedor do eixo posterior, bem mais rude nas reacções. A travagem é patrocinada pelo grupo Brembo (sistema Bybre), e a dimensão pouco convencional do disco traseiro (300 mm, apenas menos 20 mm do que o dianteiro) faz com que tenhamos um verdadeiro travão traseiro, e não apenas um abrandador. Esta caraterística tipicamente cruiser faz com que tenhamos de mudar a abordagem à modulação de velocidade em curva. A sua tenacidade quase que bloqueia a roda (salva-nos o ABS) quando queremos apenas um aconchego para corrigir trajectórias. Habituamo-nos rapidamente e aceitamos o repto, sobretudo porque esta Shotgun gosta de mostrar serviço. O grande culpado deste comportamento é o motor (um bicilíndrico paralelo com 648 cc, debitando 47 cv às 7250 rpm e 52,3 Nm às 5650 rpm), uma alma inspirada noutros tempos a querer provar que velhos são os trapos. A pujança e o músculo nos médios regimes assumem todo o protagonismo, carregando toda a inércia do conjunto (são 240 Kg a cheio) sem medo de ninguém. É um velho barão com um copo de conhaque na mão a gabar-se dos seus feitos na sala de armas, e quem o desmentir terá de enfrentar o seu farto bigode…
A razão desta bazófia é simples. Tudo funciona. A distância entre eixos é menor do que a Super Meteor, e a jante dianteira de 18” promete confiança no compromisso desportivo. Claro que ao rasparmos os poisa pés no solo, ficamos com vontade de voltar a colocar o monóculo no olho, recuperando a pose e a finesse que se impõem. Electrónica? Há ali uma coisa que mostra umas setinhas quando colocamos o telemóvel a navegar. Ah! E LED´s nos faróis .
Mas o bom de conduzir esta Royal Enfield é estar perdido. Num cruzamento onde habitualmente sigo para estradas mais rápidas, viro no sentido oposto e começo a subir a serra novamente, sem grande vontade de terminar o passeio. A Shotgun é bastante aprazível (tem uma posição de condução relaxada, porém “atenta”) neste registo mais calmo, tem bonomia e vontade de parar para apreciar a paisagem. Faço-lhe a vontade. Gostava de ter trazido um kit de ferramentas para retirar o assento do pendura e transformá-la numa máquina mais egoísta. Afinal de contas, nascemos e morremos únicos, e a personalização desta moto dá-lhe ainda mais charme. Entretanto apercebo-me que o monóculo voou do bolso…
Equipamento:
Capacete: NEXX G.100R Gallon
Blusão: Macna Oryon
Calças: REV’IT! Philly 3 RF
Botas: REV’IT! Arrow
Luvas: REV’IT! Volcano
andardemoto.pt @ 18-6-2024 14:21:12 - Texto: Pedro Alpiarça | Fotos: Luis Duarte
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