Teste BMW M 1000 R - O mundo dos superlativos
A marca bávara deu novamente voz à loucura do seu departamento desportivo, e alterou radicalmente a sua hypernaked. A BMW M 1000 R nasce com um predicado simples: impressionar. Será que conseguiu?
andardemoto.pt @ 6-2-2024 07:10:00 - Texto: Pedro Alpiarça | Fotos: Luis Duarte
Tenhamos alguma maturidade. Não é por vermos materiais nobres envolvidos em fibras vistosas que perdemos a noção da realidade. Muito menos se esse pacote vier camuflado com uma iconografia que nos transporta para um imaginário de adrenalina e sensações fortes. A espinha dorsal da nossa apreciação jornalística tem uma estrutura inquebrável perante este tipo de artifícios, e os anos de experiência motociclística fazem-nos ficar cada vez mais escudados perante os devaneios da emoção.
Mas todo o parágrafo anterior se transforma numa treta pegada quando estamos perante uma moto tão exclusiva quanto a BMW M 1000 R. Voltamos a ser crianças de novo, soltam-se as interjeições verbais de um puto a brincar com carrinhos, e sonhamos com um punho trancado a caminho do horizonte.
O impacto visual atinge-nos os sentidos de forma bárbara. Por todo o lado vemos carbono com fartura. Na tampa do depósito, nos resguardos das rodas, nas próprias rodas! As peças maquinadas também surgem em toda a sua glória, nas manetes de embraiagem, de travão, nos poisa-pés. E até os enormes apêndices aerodinâmicos não conseguem desviar-nos a atenção daquela letra M que nos faz ferver o sangue e põe o coração a bater mais rápido. Qualquer que seja o ângulo em que a miramos, a certeza de um propósito é-nos vendida sem qualquer tipo de humildade. Impossível passar despercebida, adora ser o alvo de todas as atenções.
Esta agressão aos sentidos mistura-se com uma sensação de exclusividade em todos os seus pormenores. Sentimo-nos únicos aos seus comandos, talvez ainda mais do que na sua irmã de pista, porque a questão premente revela-se descarada a todos os que percebem o que está em causa. Uma naked com mais potência que peso. E depois de digerirmos esta premissa, surge a preocupação seguinte. Iremos sobreviver a tal heresia? Se a sua contemplação nos desperta uma irracional vontade de explorar as suas capacidades, existirá contexto para o fazer? A experiência com a S 1000 RR (teste aqui) em estrada foi um vislumbre do quanto é difícil explorar este universo a par com os restantes utilizadores da via pública…
Passados os minutos iniciais de respiração ofegante, rolamos na avenida marginal com o ritmo que a paisagem merece. Estamos perfeitamente enquadrados no contexto, o dia está fantástico e o delicioso ronronar emanado pelo escape Akrapovic (de origem neste modelo) embala-nos a exclusividade da experiência.
O modo Road (o mapa estradista por excelência, entre o Rain e o Dynamic, todos com entrega controlada nas relações mais curtas) mostra-se prazeroso, com as suspensões electrónicas (sistema DDC - Dynamic Damping Control associado aos mapas não programáveis, trabalhando nas forquilhas e mono amortecedor Marzocchi) a serem benevolentes com as irregularidades, um - quase estranho - conforto de rolamento que surpreende pela positiva. Porque a qualquer momento olhamos para as proeminentes asas e estranhamos o facto de conseguirmos ser minimamente civilizados. A caixa de velocidades precisa e o subtil funcionamento do quick-shifter são referenciais, claramente do melhor que podemos encontrar no mercado. Não há esforço nem hesitações, apenas tranquilidade e eficácia, mesmo a baixas rotações (ou com pouca carga de acelerador). Com uma ergonomia simpática e um assento firme mas nada desconfortável, podemos afirmar que seríamos capazes de rolar bastantes horas aos seus comandos, sem dramas de maior. Mesmo nas ocasiões de transito mais compacto, a sua agilidade prevalece (199 Kg, a cheio), ao ponto de começarmos a ficar “irritados” com o posicionamento dos espelhos nos terminais dos punhos. Acercando-nos da imagem de um estafeta com esteroides, rapidamente percebemos que não é preciso muito para acordar o monstro…
Derivado da M 1000 RR, o motor tetracilíndrico em linha de 999 cc, debita 210 cv às 13 750 rpm e 113 Nm às 11 000 rpm. A abertura das suas válvulas de titânio é variável, numa tecnologia a que a marca chama de ShiftCam. Na práctica, com posições de acelerador parciais ou em baixas rotações, o seu movimento e duração são mais conservadores, mas na subida de regime ou quando lhe pedimos tudo, a entrega é massiva. Conseguindo manter a personalidade cheia da S1000R, uma nova realidade cresce no entusiasmo até ao limitador, com o fôlego interminável da RR. Esta peça de engenharia é o “ex libris” que transforma uma “S” numa “M”, aditivando a performance ao nível de uma superbike.
Outra das grandes heranças desta versão vitaminada é a suite electrónica que partilha muita da tecnologia da RR. Os mapas específicos dos modos Race Pro são de série e permitem uma infindável parametrização das ajudas disponíveis (assim como, dos settings de suspensão). São possíveis 3 combinações diferentes de pré-ajustes para o condutor definir o nível de insanidade ou de meiguice na hora de “todos-os-santos”. O controlo de tracção, anti-wheelie, ABS e travão motor comunicam com uma IMU de 6 eixos, e ainda dispomos de um comutador dedicado que nos permite escolher o nível de intervenção destes elementos electrónicos. De fora ficou o assistente de deslizamento da roda traseira (com um sensor específico que lê o ângulo da direcção) da S 1000 RR.
O acesso a este universo faz-se através de um ecrã TFT de 6,5” (com quatro variantes de display, consoante a informação que o condutor queira dar relevância), e na interacção com o mesmo encontramos a “rodinha mágica” que tanto nos facilita a vida.
E neste contexto de algoritmos mágicos (tão em voga no nosso mundo actual), dou por mim a acreditar que seria capaz de conhecer os meus limites com a electrónica no mínimo. Estou a ser claro. Os meus limites deverão estar a menos de 70% do potencial que qualquer piloto (com P grande) conseguirá extrair desta máquina. Esta blasfémia revela a exímia comunicação da parte ciclística e a capacidade que tem de nos transmitir confiança. Este é o grande segredo da BMW M 1000 R. Enaltece-nos.
Segue o parágrafo dinâmico para deleite de todos aqueles que gostam de piscar o olho aos deuses da velocidade…
Numa sequência de curvas de fluidez variável (entre 2a e 3a velocidade, digamos), a atenção dedicada ao acelerador requer alguma habituação. O ganho de velocidade nos altos regimes é imenso, mas a sua linearidade permite um ajuste assertivo, sem deixar de ser milimetricamente intempestivo. Torna-se difícil colocar esta sensação por palavras, mas a noção de que estou sob controle com mais de 200 cv no punho direito é algo de assustadora. Claro que existem quebras de tracção (os Bridgestone Battlax Racing Street RS11 são absolutamente sublimes no feedback), claro que existem torções e flexões que me colocam em sentido, mas tudo acontece de forma estupidamente natural. Como se assumisse que as rectas que antecedem a curva seguinte não existem. Do mesmo modo que apenas um dedo heroico chega para modular a travagem, numa quebra de inércia brutal que faz levantar a roda traseira e me dá vontade de esticar a perna para provocar o início do pêndulo que me fará mergulhar a frente em busca do centro da curva.
Escrevo estas linhas em plena certeza de que não sou um piloto de MotoGP, e que o meu joelho no chão numa estrada comum, não tem absolutamente nada de convencional. Mas o esforço é inexistente. E a M 1000 R segue imperturbável e cheia de classe, na certeza de que tem muito mais para dar. Os apêndices aerodinâmicos encontram a razão da sua existência (a 220 km/h são 11 kg de downforce na roda dianteira) quando os números do velocímetro ultrapassam largamente os três dígitos, mas esse exercício não faz sentido no mundo real, pelo menos para mim.
A estupefação perante a eficácia deste pacote dinâmico faz-me pensar que existe espaço para este tipo de máquinas. Tal como a Ducati Streetfighter V4S (teste aqui), estas superdesportivas “menos extremas”, mostram-nos uma realidade alterada, em que nós, comuns mortais, podemos acreditar que conseguimos sentarmo-nos à mesa com os deuses. Basta apenas juntarmos cerca de 30k €… (versão ensaiada com o M Competition Package, por 31 763 €).
Não foi há muito tempo que rodei com a S 1000 RR, da qual esta moto descende. Recordo-me do exercício de contenção que era tentar ser minimamente civilizado nas estradas partilhadas com outros veículos, e da exigência física requerida para lhe domar o comportamento. Quando lhe colocamos um guiador largo e encontramos uma posição corporal mais descontraída, acabamos por nos sentir mais confortáveis e tudo acontece de uma forma mais natural. O sentimento de perfeita loucura por estarmos aos comandos de uma máquina com mais potência que peso não desaparece nunca, é um permanente estado de alerta sensorial.
De certa forma, esta hyper naked deixa-nos viver com alguma paz de espírito no dia-a-dia, sem ter vontade de nos morder a qualquer momento. Mas tenham sempre a noção que, para lá das 6500 rpm, a roda dianteira ficará mais leve, o som ficará mais grave e que podemos estar a alterar a rotação do planeta com tamanha aceleração, tudo isto com a noção de que a ausência de protecção aerodinâmica fará terminar a festa mais cedo. A BMW M 1000 R não consegue mentir quando lhe topamos o atrevimento, mas não deixa de ser responsável e educada quando lhe pedimos. Uma moto com M grande.
Equipamento:
andardemoto.pt @ 6-2-2024 07:10:00 - Texto: Pedro Alpiarça | Fotos: Luis Duarte
Clique aqui para ver mais sobre: Test drives