Johan Pereira

Johan Pereira

Motociclista, peregrino da liberdade.

OPINIÃO

De Portugal à Finlândia - 22º dia

2 de maio de 2024

No vigésimo segundo dia da nossa jornada, a sorte finalmente brindou-nos com uma noite de descanso reparador. Sem demoras, dirigimo-nos a um minimercado para aplacar a fome e prepararmo-nos para o dia que se aproximava.

andardemoto.pt @ 5-5-2024 09:37:00 - Johan Pereira

O destino era Lille, com passagens por Antuérpia e Zaandam, seguindo o percurso planeado no GPS.

Ao entrarmos no território holandês, ficámos imediatamente encantados pelas paisagens que se desdobravam perante nós, campos verdejantes salpicados por vacas, cavalos e ovelhas, e estradas marginais frequentadas por ciclistas. O calor, um contraste bem-vindo após a nossa aventura mais fria desde os Alpes julianos, convidou-nos a fazer uma paragem numa geladaria artesanal. Aí, deliciámo-nos com gelados de sabores singulares, uma pausa perfeita para nos refrescarmos.

Prosseguindo a nossa viagem rumo a Zaandam, fomos surpreendidos com um trânsito intenso, mas nada que já não tivéssemos ultrapassado na nossa odisseia.

Em Zaandam, a cidade conhecida pela sua rua de Lego, aventurámos a experimentar o Subway, uma novidade para nós, mas que considerámos um luxo pelo preço de uma sanduíche.


A noite em Antuérpia prometia, com a alteração nos limites de velocidade nas estradas holandesas a partir das 19h. A condução alheia, contudo, pareciam confundir a autoestrada com o circuito de Nürburgring, trazendo desafios adicionais à nossa jornada.

Um encontro iminente com uma condutora além de imprudente, “muito simpática” também quase me custou caro, mas mantivemos a serenidade e prosseguimos.

Antes de transpormos para a Bélgica, fizemos questão de captar o momento com uma fotografia junto à placa da fronteira. A comunicação através do intercomunicador entre mim e meu pai revelou-se essencial, embora tenha falhado momentaneamente quando ele não conseguiu sair na saída prevista para Woensdrecht.

Esperando-o num café local, mergulhei numa atmosfera que me fez sentir num filme de cowboys, onde a minha entrada pausou momentaneamente a vida do estabelecimento. A conversa com os locais sobre a nossa viagem despertou admiração e incredulidade, especialmente pelas nossas aventuras nos países nórdicos ainda em época invernal.

A preocupação surgiu quando percebi na partilha de localização que o meu pai estava parado, a 6 quilómetros de distância, sem responder às chamadas.

Mas logo um contacto seu trouxe alívio e gargalhadas: ele tinha sido fiscalizado pela polícia devido à sua paragem no meio do nada.

Após um breve mal-entendido, esclarecido com a ajuda dos agentes, reencontrámo-nos.

A chuva ameaçava, mas o meu pai, teimoso, em vez de ter parado a moto por baixo da árvore onde estaria resguardado da chuva, decidiu enfrentar os desafios do atrito para fazer a inversão de marcha. No entanto, quando subiu o passeio e de repente, na localidade silenciosa, já nem os grilos se ouviam. Do nada, ele acelera a fundo a moto em ponto morto, e eu a pensar, "mas que raio… ganda maluco, a mandar rateres a esta hora?" Olho para ele, e a moto começa a inclinar para o lado esquerdo.

Pumba... chão.

Felizmente, não se magoou, e por pura magia, a funcionária do café aparece ao nosso lado, nem sem como, mas já com o capacete na mão para nos ajudar.

Levantámos a moto e fomos beber um cappuccino nesse mesmo café, com os olhares agora ainda mais concentrados em nós. Rimo-nos bastante da situação, porque no momento da queda perguntei-lhe, “então, mas é a esta hora que mandas rateres?" Ele riu-se imenso.



A chuva aumentava a cada minuto, e ainda nem na Bélgica tínhamos entrado.

O destino de hoje era Lille mas a chuva, não dava trégua, e o nosso destino já em França começava a pesar. Era evidente que não chegaríamos naquela noite, e a necessidade de encontrar um alojamento tornou-se urgente.

O mais barato e próximo que encontrámos foi o "City Hotel Bergen op Zoom". Com a decisão tomada, reservámos o quarto, mas primeiramente partimos para abastecer as motos, preparando-nos para o dia seguinte.

Contudo, ao chegarmos ao hotel, deparámo-nos com a porta fechada. Tentativas de contacto por telefone e bater à porta não surtiram efeito inicial, e a frustração aumentou depois de uma interação desagradável com o atendimento do booking, onde despacharam a chamada sem querer ajudar, chagando ao ponto de ser eu a desligar a chamada demonstrando a minha insatisfação.

Persistimos nas tentativas de comunicação até que, finalmente, quase duas horas depois, alguém atendeu. Já passava da 1.30 da manhã quando um senhor veio verificar a nossa reserva, apenas para descobrirmos que havia sido marcada para o dia seguinte.

O senhor ligou para um rececionista do hotel a questionar se existia possibilidade de alterar a data para hoje, a resposta foi negativa, questionei ainda sobre a devolução do valor e ele respondeu da seguinte forma:

“Agora não consigo ver e sinceramente não quero saber”.

A resposta deixou-me abismado, talvez não me tenha despedido dele com as palavras mais bonitas de se ouvir.

Confrontados com a impossibilidade de alterar a reserva e com a chuva a castigar-nos ainda mais, vivemos momentos de tensão e desalento.

A busca por alojamento a esta hora avançada parecia fútil, com muitos hotéis não atendendo às chamadas.

Considerámos até, montar a tenda em frente à porta deste hotel, mas essa ideia rapidamente se dissipou perante os problemas já acumulados.

Subimos novamente nas motos, desafiando a chuva torrencial, em busca de um local para passar a noite.

A nossa persistência levou-nos ao Hotel Draak, onde, contra todas as expectativas, encontrámos um recepcionista disposto a abrir uma exceção, permitindo-nos finalmente descansar após uma noite repleta de aventuras e desafios inesperados.

andardemoto.pt @ 5-5-2024 09:37:00 - Johan Pereira


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