Gracinda Ramos

Gracinda Ramos

Professora de artes, pintora e motociclista de todos os dias.

OPINIÃO

Passeando pela Grécia/Balcãs – partida, 2022

Eu tinha um desenho tão bonito, um plano extraordinário para este ano… mas nem sempre as coisas correm como queremos.

andardemoto.pt @ 10-4-2023 19:32:00 - Gracinda Ramos

Tinha partido o meu porquinho num ritual que é uma tradição cá por casa, entre apostas de adivinhação sobre quanto ele teria dentro.

E ele estava mais recheado do que nunca!

Depois de tempos de pandemia, em que os problemas de saúde na familia me prenderam por perto, acabei por não partir o porquinho por 2 anos e isso viu-se na dimensão do seu conteúdo este ano.

Mas então tive o acidente, magoei-me muito, fui operada e, para juntar os cacos dos meus ossos, foi preciso mexer nos tendões e isso tirou toda a mobilidade da minha mão.

Não era apenas uma questão de recuperar da fratura, porque isso ficou logo resolvido com o ferrinho que me aparafusaram aos ossos, o problema eram os dedos adormecidos, a mão inerte e a dor.

Na incerteza provocada pela situação, a única coisa que fiz imediatamente foi anular todas as dormidas na Turquia. Por muito que recuperasse, o tempo nunca seria suficiente para ir tão longe, deixei o resto da viagem em stand by porque até ao último momento há sempre esperança… e o desenho ficou assim como se pode ver no mapa.

Tudo é tão lento na recuperação de tendões imoveis, sobretudo quando a gente quer que seja rápido! Demorou a conseguir segurar um garfo para comer direito, demorou a conseguir apertar os cordões das sapatinhas, demorou a conseguir apertar o fecho das roupas… demorou a ser autónoma!


Mesmo assim fui-me preparando para viajar.

Redesenhei os autocolantes para a minha moto, ela merecia-os mais do que nunca!

Sempre sem conseguir conduzir, porque a força não era suficiente nem para apertar a embraiagem, nem para segurar convenientemente o guiador! Mas enquanto a fisioterapia teria de fazer efeito, eu tinha de restaurar a minha confiança para conduzir.

Mas em maré de azar parece que tudo conspira para que as coisas piorem e o pneu novinho em folha, que tinha sido posto dias antes, apanhou um parafuso do chão.

É nestes momentos que até eu, que sou uma otimista, começo a pôr em questão se devo realmente insistir em partir, com coisas ruins aleatórias a acontecer desta maneira, umas atrás das outras.


Que se lixe, até posso nem partir, mas, pelo menos, vou ocupando o tempo a tentar! Por isso mandei retirar a roda e galvanizar o pneu.

E foi então que consegui fechar a mão pela primeira vez.

E conduzir pela primeira vez também.

Ui, quanta alegria… mas quanto medo!

Eu sempre fui apologista de que, depois de um acidente se deve recomeçar a conduzir o mais rápido possível, antes que os traumas se instalem de forma permanente dentro de nós. Mas foi difícil fazê-lo, sobretudo porque a consciência da minha incapacidade era muito grande, a dor era forte e permanente, e isso não me deixava esquecer.

E chegou o dia, enchi-me da coragem que a inconsciência confere aos loucos, e parti.

A coragem que eu tinha quando falava dos projetos, dos caminhos, de como ía ser a seguir, esvaiu-se ao sentir-me sozinha na estrada.




Eu sempre me canso no primeiro dia de viagem, mas este primeiro dia foi uma tortura permanente. Não sabia se me apetecia seguir em frente ou voltar para casa, mas certamente não me apetecia parar em todo o lado e explorar, como normalmente me acontece.

Passei em Bragança, uma forma de descansar e ver gente conhecida antes de sair do país. Fez-me bem mas, ao mesmo tempo, fez-me perceber como seria a cada vez que tivesse de fazer manobras de moto parada, onde tivesse de usar a embraiagem.

Então agarrei na moto e segui parando o menos possível até ao meu destino.

Claro que tinha de parar para comer e abastecer a motita, mas não queria parar em mais lado nenhum, apenas não queria forçar esta mão a fazer qualquer tipo de força.


Claro também que comecei a duvidar se devia andar ali! Eu não sou viajante de trajetos diretos e longos, sou do tipo parar em todo o lado para ver e explorar tudo o que puder e me prenda a atenção.

Mas também sou viajante de apenas fazer o que me apetecer, só o que me der na telha e nada mais do que me der na real gana.

Por isso cheguei ao meu destino sem remorsos e sem me questionar mais. Vou explorar a terrinha e amanhã penso em como as coisas vão continuar.

O meu destino era Fresno de Cantespino, um pueblo no meio de lado nenhum, cheio de paz, gente amigável, boa comida e boa cerveja.

Um lugar tão pequeno mas que tem duas igrejas, a igreja de San Nicolás de Bari e a Ermida Santo Cristo de la Cerca, mais acima.

É tão espanhol, as igrejas pertinho umas das outras, mesmo em terrinhas pequenas.

Passear por ali a pé, com um saco de gelo na mão foi uma espécie de compensação por não ter parado em lado nenhum até lá chegar.

Tenho de pensar em instalar um punho arrefecido para aliviar esta mão marota enquanto conduzo.

Naquele entardecer questionei-me se teria feito bem partir e se conseguiria fazer toda a viagem até ao fim…

O que diria eu à minha seguradora para justificar a minha incapacidade de conduzir, tendo partido de viagem apenas um mês depois de ter sido operada a um pulso?

Não, eu tenho uma moto nova e adorável, eu tenho de conseguir levá-la onde me propus.

Amanhã vamos ver como esta mão está, mergulhá-la em gelo até ficar anestesiada e partir, se eu tiver de desistir não será tão perto de casa, ao menos terei ido mais longe e visto e vivido mais do que isto.

Até amanhã motita!

andardemoto.pt @ 10-4-2023 19:32:00 - Gracinda Ramos


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