Gracinda Ramos

Gracinda Ramos

Professora de artes, pintora e motociclista de todos os dias.

OPINIÃO

Passeando pela Grécia/Balcãs – Até Ordesa, 2022

Dado o estado da minha mão esquerda propus-me fazer pelo menos um desenho por dia e o de ontem ficou fofinho! Claro que acabei por ter dias em que fiz mais que isso, mas vamos ver se tenho um decente por cada dia.

andardemoto.pt @ 23-7-2023 12:00:00 - Gracinda Ramos

Inicialmente a ideia de ficar hospedada duas noites naquele hostel era para me dar tempo de passear um pouco calmamente pelos Pirenéus Catalães, mas agora que estava ali, as montanhas assustavam-me um pouco… E se eu não conseguisse fazer subidas íngremes, com curvas vertiginosas ou pisos esquisitos? Afinal eu sou traumatizável como toda a gente e imaginar uma estrada a subir vertiginosamente na minha frente provocava um frio dentro de mim…

O gatinho do hostel veio amenizar os meus pensamentos. Os gatos sempre se aproximam de mim e me fazem sentir bem!

No dia anterior era para ter ido ao Castelo de Montearagón, mas não tive coragem… estava muito cansada, o braço doía todo, a mão não me inspirava confiança. Iria tentar ir lá acima hoje.

Perto da minha morada ficava a Ermita y Convento de San Joaquín, não é muito antiga, lá pelo século XVIII, mas é impressionante! Talvez pela sua cor de terra que lhe dá aquele aspeto de coisa com história e isso fez-me parar.

E então fui até aos domínios do Castelo de Montearagón.

Na realidade eu não fui lá acima ontem porque tive medo…

Porque visto de lá de baixo o monte parecia-me íngreme, com uma estrada que subia a pique, e isso aterrorizava-me… subir aterrorizava-me.


Felizmente, como em tudo, quando a gente traz os fantasmas para a luz do dia, eles parecem menos assustadores e subi, sossegadamente pela estrada serpenteante e efetivamente íngreme, até chegar lá acima, em segurança.

E depois de subir, passear por terra batida não me stressou nada. Fiz amizade com um ciclista e dei umas voltas por ali atrás dele.

Foi o meu momento de relax depois do stress de subir pela primeira vez após o acidente.

“Só entendes os teus traumas quando os trazes para a luz do dia. Um acidente deixa medos, mas quem não tem medo não é um herói, é um inconsciente. O segredo é não deixar os medos transformarem-se em pavor ou pânico.”

A estradinha subia, nada de especial, nada que eu já não tenha feito pior, mas foi numa subida que eu me magoei tanto…

Tive de acionar o meu modo automático, aquele que já me fez subir estradinhas incríveis, e subi.
Agora siga para a montanha que o castelo foi só um estágio.

Sim, desenhei-o cá de baixo, pode ser que amanhã mostre o desenho, acho que não ficou nada de especial…


Segui para norte. Às vezes passo em sítios inspirada pelo nome, e uma terra chamada Latas definitivamente despertou a minha atenção!

O lugar não tem muita coisa, mas tem uma Iglesia de San Martín muito bonita. Uma construção românica, do século XII, sempre prende a minha atenção, pena estar fechada.

Então fui-me enchendo de coragem e subindo os montes, podia ir a direito mas fui curtindo a estrada na direção de Viu, outro nome que me despertou a atenção. Tão bom voltar a apreciar o prazer de conduzir descontraída pela montanha…

Pausa no Camping de Viu para almoçar. Um dia tenho de voltar ali para explorar todo o vale de Ordesa, como eu já fiz um dia há muito tempo, há umas 5 motos atrás…

Não é apenas o espaço delimitado e oficial do Parque Nacional de Ordesa que é extraordinário, é todo o vale e o caminho até ele. Assunto para uma viagem só.

Desta vez fiquei-me por Torla e as paisagens deslumbrantes em redor.

Não tive coragem de subir e enfiar-me no meio dos turistas, como eu costumo dizer, às vezes a beleza de uma aldeia na montanha é mais deslumbrante num enquadramento de fora, do que nas suas ruas cheias de turistas e selfies e souvenires e essas tretas todas.

Como não se pode passar mais além de moto limitei-me a desenhar… é, voltei a desenhar um pouco.

Broto é um ponto de partida para a montanha, cheio de gente, cafés, esplanadas e movimento, mas eu concentrei a minha atenção na Iglesia de San Pedro Apostol, que mais parece um castelo ali ao lado da estrada principal.

A igreja é do século XV, mistura gótico e renascentista. O tempo passou por ela deixando marcas de todas as épocas, até hoje.

O interior surpreendeu-me, pois esperava que fosse mais degradado, mas está em perfeitas condições com mais um estilo no altar: o barroco.

De todos os estilos presentes, o mais antigo é o que mais me fascina, aquele que a viu nascer.


O rio Ara atravessa o pueblo e, na realidade, está por todo o lado, acrescentando beleza a toda a paisagem. Pena haver tantos fios de eletricidade na frente. Porque é que há sempre tantos fios de eletricidade, telefone e sei lá mais o quê, a estragar um enquadramento perfeito?

Mais à frente, quem desce o mapa na direção do sítio onde eu deixei a minha mala para dormir a segunda noite, fica Fiscal. Com um nome destes e umas torres a espreitar ao longe, eu tive de ir ver.

O coração da localidade é a Iglesia de la Asunción e o arco na praça, o pormenor mais curioso. Chamam-lhe o Pórtico de Jánovas, pois trata-se do pórtico de uma igreja do pueblo “fantasma” de Jánovas.

Um dia tenho de ir visitar Jánovas, que tem uma história de destruição e reconstrução que vale a pena conhecer.

Hoje, ao regressar do parque de Ordesa, já me aventurei por ruinhas até aqui. É bastante cansativo e até violento para a minha mão, pois nem sempre o piso é o melhor, o que faz trepidar muito o guiador, e as curvas são aos milhares, o que implica usar bastante a embraiagem, mas cá cheguei feliz e contente… e cansada!

E segui apreciando terrinhas com nomes interessantes. Aguas ao longe! Como será viver numa terra que se chama Aguas?


Até chegar a Adahuesca, a minha casa. Como um passeio tão simples rendeu mais de 300km, não sei, mas estava cansada e com uma mão completamente pendente, inchada e morta de dor.

Não importa o que tenho planeado, sempre faço apenas o que quero e posso, sem pressas e, desta vez, sem pressões. E a voltinha que dei acabou por ser bem interessante!

Desta vez não jantei sozinha, fiz amizade com o Franck, um hospede francês lá do sítio, e fomos comer umas tretas e beber um vinho na praça do pueblo.

Gosto de provar os vinhos das localidades onde passo e aquele era mesmo de Adahuesca. Que bem que soube!

Amanhã é dia de ir até Barcelona para apanhar o ferry para Civitavecchia. Ferries sempre me assustam, tenho sempre medo de me enganar, embarque errado ou não conseguir embarcar por ter feito algum erro na reserva, eu sei lá! Mas desta vez tinha medo de não ter mão para subir para o ferry, para circular lá dentro, para estacionar naquele piso metálico e cheio de cebo do porão…

Deixa para lá, amanhã vê-se!

andardemoto.pt @ 23-7-2023 12:00:00 - Gracinda Ramos


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