
Gracinda Ramos
Professora de artes, pintora e motociclista de todos os dias.
OPINIÃO
Passeando pela Grécia/Balcãs – Por Olympia até Mystras
O meu pequeno apartamento era muito simpático, com uma cozinha minimamente apetrechada com o necessário.
andardemoto.pt @ 3-3-2024 12:30:00 - Gracinda Ramos
Ontem estava tão cansada que não me apeteceu de todo andar à procura de um sítio para comer. Passei no supermercado, ali perto, e fiz um jantarzinho delicioso, de carne grelhada com salada e, claro, um vinhinho da zona a acompanhar.
Hoje preparei um delicioso pequeno-almoço, na casa havia manteiga, doce de fruta, chá e café, só precisei de trazer o resto.
Não há nada mais agradável pela manhã do que tomar um belo pequeno-almoço numa varanda virada a nascente!
De noite choveu torrencialmente, ouvia a chuva a bater nas precianas. Uma chuva estratégica que só caiu depois de eu ir para a cama e terminou antes de eu sair dela. A minha motita ainda estava toda molhada.
Hoje ia atravessar para Patras e depois descer a península de Peloponeso. Havia coisas que eu queria ver por ali abaixo, mas estava naturalmente mentalizada para ver o que conseguisse de populações e focar-me mais em paisagens. Passear pelo interior de uma cidade era um suplício para a minha mão e eu não precisava torturar-me, pelo menos não pela manhã.
Tive azar, não muito longe dali a rua estava fechada, a ponte caíra, por isso era preciso seguir pelo caminho alternativo. Nada de especial se não fosse cedo demais para a minha mão estar operacional para segurar bem o guiador. Ainda por cima havia camiões a passar e depois carros… valha-me Deus, esta gente decidiu vir toda agora que eu preciso fazer isto sozinha para não ter de parar nem usar a embraiagem?
Caminhos que eu faria tão facilmente, de repente tornaram-se um acontecimento…
Tive de ir para a autoestrada pois queria atravessar a Ponte Charilaos Trikoupis, ou Ponte Rio-Antirio. Eu sei que não é mais que uma ponte, mas sempre me chamou a atenção por ligar os dois extremos de Etólia-Acarnânia e Peloponeso.
Parei para fotografar a ponte e a estátua do atleta transportando o facho olímpico quase me fez querer sair e ir explorar a terrinha ali ao lado, Antirrio.
Eu queria ver a ponte desde terra, mas não seria em Antirrio. Atravessei para Patras e fui seguindo o meu sentido de orientação, furando pelas ruelas e procurando a margem do rio.
E os caminhos eram mesmo estranhos! Cheios de curvas, partes em terra batida, depois desciam e passavam à rasquinha por baixo de uma linha de comboio, voltavam a subir, obrigatório virar à esquerda, depois à direita, sempre obedecendo a sinais de trânsito esquisitos que me faziam sair daquela ruínha por alguns metros para depois voltar a ela mais à frente.
Aqueles gregos são marados! Rompendo aquelas ruelas estreitinhas passava a linha do comboio e esse era tudo menos insignificante. Lá estava ele, sem qualquer guarda ou proteção, cada um que confie no seu instinto e na sua visão e audição apurada. Havia sítios onde até havia miúdos a brincar! Devem estar mesmo muito habituados àquilo, só pode.
E lá estava ela!
É uma ponte especial no seu estilo, uma ponte estaiada como a nossa ponte Vasco da Gama, que tem um vão muito grande, há quem diga que é o segundo maior do mundo. E é imponente!
Depois de sair do intrincado das ruínhas que me levaram ali, a sensação era de uma imensa paz e frescura. A água era límpida e cristalina e as montanhas ao longe, inspiradoras… enfiei as mãos na água fresca e só então processei que ela era salgada e isso fazia muito bem ao meu pulso.
Patras não me prendeu muito tempo. A minha entrada na cidade não correu muito bem, sei lá porquê, motinhas e scooters enredaram-se em mim e eu tive alguma dificuldade em conduzir naquela pressão. Se eu estivesse bem das mãos não me teriam perturbado, a minha moto andava mais e eu sou habilidosa no trânsito, mas naquele momento eu só pensava que aquela gente não imaginava o perigo em que se punham ao fazerem-me tangentes e apertarem-me. Raios partam o “patranhences”.
Mas há coisas lindas que sempre me fazem parar e apreciar…
Patras é uma das maiores cidades da Grécia e está cheia de coisas interessantes para ver, mas é também um porto onde eu tenciono desembarcar mais dia menos dia, por isso o que não vi estará lá à minha espera para eu ver numa próxima passagem.
E segui para Archaia Olympia, onde eu queria gastar bom tempo do meu dia.
Mas como quem vai para o mar avia-se em terra, fui primeiro almoçar para depois explorar e caminhar sem o estomago a roer-se no vazio.
Archaia Olympia, quer dizer exatamente “Olímpia antiga” e sim, foi ali que nasceram os jogos olímpicos da antiguidade. E apesar das semelhanças de nomes, não tem nada a ver com o monte Olimpo, que fica lá para norte a centenas de quilómetros de distância.
Entra-se no recinto e encontra-se logo o Philippeion, um memorial circular jónico, que me chamou a atenção pela sua beleza ainda visível e pelo seu nome, já que é um memorial a Filipe, e os Filipes sempre me prendem a atenção, ou não fosse o meu moçoilo Filipe, também!
De qualquer maneira é uma construção única já que é o único monumento ali dedicado a um humano.
Os Jogos Olímpicos nos tempos da Grécia antiga realizaram-se a partir de 776aC, deixando um período de pausa de 4 anos entre celebrações. Este modelo é conservado até aos dias de hoje. Eles eram mais do que desporto, representavam a paz e a nobreza da competição. O Estádio de Olímpia foi palco de todas as competições atléticas dos antigos Jogos Olímpicos, à exceção das corridas de carros e cavalos que eram realizadas no Hipódromo adjacente.
E ali estava eu, à porta do estádio!
Passar por aquele corredor onde se fez história tantos milénios atrás, tem sempre um impacto forte na gente. Pelo menos em mim tem!
E lá estava todo ele a meus pés! Nós conseguimos imaginar o rugido da multidão percorrendo todo aquele imenso espaço. Eu já vi outros estádios, mas aquele não é “um estádio”, aquele é “O estádio”!
Não conseguia evitar de caminhar por ali como quem caminha em solo sagrado. Acho que se houvesse turistas marados, agarrados aos pauzinhos de selfie a fazer macacadas pelas ruínas, eu tinha-me passado com eles.
O Templo de Zeus, ali ficava uma das 7 maravilhas do mundo antigo: a estátua gigantesca de Zeus, de Fídias, feita em marfim e ouro e com mais de 12 metros de altura. Em honra de Zeus se realizavam os jogos olímpicos e toda a Olympia antiga honrava o deus dos deuses.
Junto da base do templo podem-se ver as “rodelas” resultantes da desintegração das colunas, espalhadas pela área e, pelo seu diâmetro, pode-se imaginar a dimensão daquilo tudo quando estava em pé, porque cada rodela tem um diâmetro superior à minha altura.
A Vila de Nero, fascinante a forma como as pedras e tijolos eram empilhados para construir aquelas paredes grossas e solidas.
Técnica infalível, a considerar pelos séculos que aquelas paredes têm, e tudo resistiu até hoje, mesmo negligenciado e abandonado. E, para além de tudo, bonito o resultado.
Palaestra, uma escola de luta corporal. Até o local onde se dava/levava porrada era bonito e cheio de colunas!
O Theokoleon, um edifício que abrigava os sacerdotes ¨Theokoles¨ e outros membros do Santuário, que eram oráculos ou que explicavam aos visitantes o ritual dos Jogos Olímpicos.
Gostava de poder recuar no tempo por umas horas, só para ver aquilo tudo antes de ter começado a cair aos pedaços. É sempre a sensação que tenho ao visitar um sítio destes…
Então, de repente, as nuvens juntaram-se e desataram a chover com tanta força que ninguém teve tempo de se abrigar. Eu achava que não havia muita gente a visitar as ruínas, porque o espaço é grande e não nos cruzávamos uns com os outros, mas naquele momento as pessoas apareceram correndo dos sítios onde estavam.
Não, eu não vou correr! A distância é grande, não há nenhum sítio onde me possa abrigar, que adianta correr? Vou molhar-me toda independentemente de correr ou caminhar. Caminhei calmamente para a entrada, onde a menina dos bilhetes tinha ficado com o meu capacete. Nem ela tinha uma cabine para se abrigar, tinha apenas um telheiro reduzido.
Eu nunca tenho muita dificuldade em enfrentar a chuva, porque ela não me bate na cara, o que me permite até demorar a perceber se está mesmo a pingar. Mas ali não era apenas pingar, era uma chuveirada bem intensa.
Instalei-me na esplanada do bar lá do sítio, que ainda ficava retirada do portão de entrada, pedi um granizado e fui relaxando e arrefecendo a minha mão febril.
Assim como veio assim se foi a chuva! De um lado o céu voltou mesmo a ficar azul, mas do outro continuava carregado como chumbo.
Não era a chuva naquele sítio que me incomodava, até porque já vira tudo o que queria. Preocupava-me se iria estar a chover assim ao longo do caminho que eu ia fazer.Filiatra é uma pequena cidade sem nada de especial para ver, não fora cruzar com a Torre Eiffel e teria sido uma passagem sem história pela terrinha.
Claro que fui investigar como aquilo foi ali parar e descobri que foi construída nos anos 1960, por um médico greco-americano Haralampos Fournarakis, residente na terrinha. As diferenças entre a réplica e a torre original não se ficam pela altura, já que ela tem 26m para os 300m da torre Effel. Há várias alterações, mas quem a vê assim, de repente, acha-a uma réplica perfeita.
Em 2012, o prefeito de Paris, Bertrand Delanoe, indignado com a torre grega, enviou uma carta de reclamação à UNESCO solicitando a remoção imediata da réplica
“É uma caricatura obscura e representa um ataque estético à civilização francesa e ao patrimônio arquitetónico global”, dizia ele. Mas como isso já foi há 10 anos e eu passei lá este ano e ela lá estava, deduz-se que a UNESCO está-se pouco ralando para as imitações!
E uma coisa tão simples fez com que a terrinha ganhasse visibilidade e se falasse dela do outro lado da Europa, porque a terrinha não tem mais nada de que se falar.
Então comecei a ver placas que avisavam que a estrada estava cortada mais à frente. Não sei como entendi, mas acho que eles vão tendo cada vez mais placas legíveis para quem não é grego. E lá tive de sair da rua mais à frente, para um desvio por ruelas mais perto do mar.
Ora vamos lá por ruinhas que passam por pequenas localidades rurais. Mas passam também por zonas de praia e turismo. É surreal andar por ruinhas de pequenos povoados e, de repente, atravessar uma zona turística cheia de carros bem sofisticados a empancar o transito que se tornou demais para a dimensão da estrada.
Cheguei a Pilos, uma terrinha na encosta de um monte, com uma baía encanadora como paisagem. E à medida que descia a rua que vai dar ao centro, podia já ver a Esfactéria, aquela ilha alongada que quase fecha a baía.
Por aquela altura eu já estava tão antissocial que não me apetecia estar perto de ninguém, sobretudo quando esse alguém eram turistas ruidosos. E estavam por todas as esplanadas! Tomei um café rápido e fui para o cais com a minha motita. Que bem se estava ali!
A longa ilha e seus rochedos parecia que estava tão perto, como sombras chinesas, que a gente estende a mão e alcança.
Estava um pouco de vento, mas nada que me impedisse de desenhar, tentando captar um pouco daquela paz.
Depois voltei para a estrada, sem querer saber de qual caminho seria mais rápido ou mais recomendado, atravessei a serra para o lado de Esparta. Aquele céu não me inspirava confiança, mas eu tinha de arriscar apanhar uma molha se queria explorar a montanha! E lá fui.
Passava das 19 horas e o sol estava a descer… eu só esperava que a estrada não fosse ruim de todo, para o caso de eu não conseguir chegar ao outro lado antes de anoitecer.
E foi a mais bela escolha que eu podia ter feito.
A cada subida ou curva, as perspetivas de povoados e estrada eram de fazer qualquer um parar e fotografar!
Segui sem pressas, porque é impossível apreciar algo de muito bonito a correr.
Atravessei apenas uma população, as outras que via estavam em encostas onde eu não passaria. Tinha chovido há pouco e a estrada estava molhada. Algumas pessoas ficaram a olhar a ver-me passar.
A minha motita comportava-se extraordinariamente bem por aquelas estradas. Ela estava a ser uma aliada de valor, leve e fácil de manobrar, com a força certa para não me deixar stressar em nenhuma subida. Excelente!
E parei não sei quanto tempo a apreciar o sol poente no topo do monte.
Uma última olhada para o lado poente da montanha e tudo era amarelo.
Uma primeira olhada para o outro lado e tudo era cor, verde e rosa surpreendentes!
Curiosidades de uma estrada de montanha, com um sinal de trânsito reciclado. Mas claro que não pude deixar de sorrir imaginando um comboio a passar por ali.
O céu foi ficando mais rosa. Fez-me lembrar o por-do-sol no Mont Blanc, que deixa de ser branco e passa a ser monte rosa.
E cheguei a Mystras onde ficava a minha casa naquela noite. Avisaram-me no alojamento que a cidade estava em festa e que eu devia ir lá pois tinha de tudo, comida e bebida também, claro.
Quando me disseram que a festa tinha de tudo, eu não imaginava que tinha de tudo mesmo! Incluindo tendas de artigos religiosos: imagens, amuletos, música, tudo!
Tinha até um padre a pregar com imensa gente a ouvir. Os ortodoxos são muito devotos. Não consegui fotografar o padre, aquela gente olhava para mim de lado e eu não podia provocar confusão desrespeitando-os na sua religião.
Ao mesmo tempo, e mesmo ao lado, tinha comidinha muito fixe. Leitão assado, espetadas, cerveja e música alta. Como se consegue conciliar tudo isso ao mesmo tempo? Não faço ideia, mas estava toda a gente feliz assim.
Claro que quis experimentar um pouco de tudo, porquinho, espetadas, pão e cerveja, um belo menu!
E havia uma tenda de fazer bolinhas, como farturas, apenas a máquina cortava a massa em pedacinhos, em vez de ser em tripas, para uma frigideira gigante. Não provei, porque enchiam aquilo de cremes e açúcar e tal, e eu não gosto. Como já tinha a barriga cheia não me dei ao trabalho de perguntar se não faziam daquilo só com açúcar e canela. Mas fiquei a ver fazer.
Percebo pouco de bolos e doces, mas ali eram diferentes de tudo o que eu conheço. Havia fila para pedir daquilo, tipo cone de gelado, mas em waffles, com frutas e compota por cima.
Depois de curtir mais um bocado a confusão da festa, que aqueles gregos são tudo menos silenciosos, fui para casa que o dia tinha sido longo. Por aquela altura já andava com a mão em cima da cabeça a ver se desinchava um pouco. Pensem o que quiserem, vocês são malucos e eu sou louca, por isso estamos todos bem.
É sempre giro ler o meu nome num país distante, como se eu fosse conhecida por lá! A minha porta era a única que tinha o nome, isso devia querer dizer que toda a gente chegou antes de mim.
Boa noite mundo que amanhã vou até Atenas… mas não vou a direito, isso é certo!
andardemoto.pt @ 3-3-2024 12:30:00 - Gracinda Ramos
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