Gracinda Ramos

Gracinda Ramos

Professora de artes, pintora e motociclista de todos os dias.

OPINIÃO

Passeando pela Grécia/Balcãs – de Esparta até Atenas dando a volta ao sul

Há um Sítio Arqueológico muito importante em Mystras. Eu podia vê-lo pela encosta do monte, porque está situado como num anfiteatro sobre a cidadezinha.

andardemoto.pt @ 10-3-2024 12:30:00 - Gracinda Ramos

A senhora do alojamento era russa e estivemos na conversa sobre a guerra e como ela tinha pena de não poder visitar o seu país. Falámos também do sítio arqueológico e fiquei a saber que demoraria a manhã toda a visitá-lo, porque se estende pela encosta do monte e é composto por diversos espaços.

Por vezes tenho de fazer opções e ali optei prosseguir para Esparta e assim ficar com tempo para descer até à ponta sul da península e só depois subir para Atenas, pela costa.

Esparta, a cidade do lendário rei e general Leónidas e os seus 300 guerreiros.

A antiga Esparta com o monte Taígeto ao fundo, que se eleva até aos 2400 metros. Na realidade não é um monte e sim uma cordilheira das mais antigas registadas na Europa e que aparece referida na Odisseia de Homero. Fiquei fascinada por poder localizar e olhar para uma paisagem que vem desde a Grécia antiga até aos nossos dias. Eu sei que toda a terra e monte pela Europa tem história antiga, pois nada cresceu de repente, mas não pude evitar a sensação de pisar terra sagrada para a humanidade.

E lá estava a Acropole sobre uma pequena colina, sem bilhete para comprar, apenas um portão sem guarda onde eu entrei livremente.

Esparta tinha o exército mais temido da Grécia, porque os seus homens eram treinados desde miúdos para se tornarem grandes guerreiros. Eram retirados das famílias em criança para viverem em meios agrestes, aprendendo a suportar a fome, o frio, a dor e tudo o que lhes pudesse vir a surgir pela frente. Este treino, que era uma forma de vida, conferia-lhes tanta força, experiência e conhecimento, que eram vistos quase como semideuses.


O nome Esparta é conhecido mundialmente devido à sua história, sendo até hoje símbolo de heroísmo e autossacrifício, bem como de uma forma frugal de viver.

Ainda hoje usamos o termo “espartano” para descrever algo simples e despojado com sinónimos como: austero, rígido, rigoroso, severo ou implacável e intransigente.

Esparta fica na região da Lacónia, que também viu o seu nome associado às principais caraterísticas da sociedade espartana, originando o termo “lacónico” que ficou associado a uma forma sucinta e sintética de falar e escrever.

Dá para ver que aquela gente era “curta e grossa” na vida do dia-a-dia, sem ostentações, nem coisas supérfluas, sem esculturas nem adornos, o que contribuiu para que, mesmo hoje, não haja muitos vestígios da sua sociedade, porque além de terem pouco o que deixar, provocaram muitos ódios que geraram a destruição de tudo o que era seu ao serem vencidos e superados.

Eu sabia isso tudo, mas agora que estava ali, pisando o seu lugar, conseguia perceber melhor o que e isso queria dizer… havia tão pouco das edificações, caminhos e estruturas da época.

É certo que estão em escavações, e muita coisa estará debaixo daquela terra acumulada, mas mesmo o anfiteatro é quase apenas uma curva cavada na encosta da colina, quase impercetível.

Deu-me uma nostalgia! Sentei-me ali e fiquei a olhar, imaginando como seria fantástico poder ver como tudo aquilo era há 25 séculos. Por outro lado, cruzes, foi há tanto tempo e, segundo lendas e histórias, as guerras foram tão sangrentas que o melhor é ficar tudo como está, na base da imaginação!

Mas a guerra não foi ali, foi bem mais para norte. Leónidas recebeu o pedido de ajuda para defender a Grécia da invasão dos persas e conduziu os seus homens para norte de Atenas onde travou a batalha do desfiladeiro das Termóplias, lutando até à morte e retendo as tropas invasoras.

De entre os seus homens apenas 300 eram espartanos, um número insignificante perante as tropas do Xá, e foram eles que deram o mote para o filme 300.

Reza a lenda que o Xá persa ameaçou-os dizendo: “Minhas flechas serão tão numerosas que obscurecerão a luz do Sol”.

Ao que Leónidas respondeu: “Tanto melhor, combateremos à sombra!”

Os espartanos podiam ser lacónicos, mas tinham sentido de humor!

Dizem que os espartanos mataram mais de 20 mil persas antes de serem aniquilados…

Impossível passar por aquele sítio, relembrar a história e não lembrar a estória do filme 300 mais a sua frase icónica: this is Sparta!

Sai-se da acrópole em direção ao centro da cidade e lá está, Laónidas! Tive de fazer uma espécie de “um minuto de silêncio” ao grande herói.

Dirigi-me para sul. Havia uma terrinha lá bem abaixo onde eu queria passar sem falta.

Eu já não me lembrava que por aqueles lados LARANJA e PORTTUGAL pronunciam-se praticamente da mesma forma, uma embalagem de sumo avivou-me a memória. A sonoridade das duas palavras é praticamente a mesma, mas a escrita também, se formos ao google tradutor e o pusermos a falar entendemos melhor porque é que aquela gente sorri quando eu digo que venho de Portugal.

Conduzir calmamente era tudo o que eu queria, mas não pude deixar de parar ao avistar uma igreja ortodoxa. Elas são sempre tão bonitas! Estava em Molai e era a igreja de São Nectarios.

Estava aberta e pude visitá-la com calma, pois só estava lá a senhora responsável, não havia ninguém a orar.

Sinto-me sempre desconfortável a explorar uma igreja onde há gente a rezar, sobretudo aquelas que são pequenas e onde as pessoas se movimentam quando rezam, de um altar para o outro, de imagem em imagem, beijando-as e tocando-as, porque nunca sei como me mover ou se vou ferir a sua sensibilidade.

As pinturas que contam histórias sempre me fascinam, por vezes contam mesmo histórias recentes, os religiosos é que parecem sempre velhos, com barbas brancas e chapéus negros.

Gostava de um dia assistir a uma celebração e entender as movimentações no espaço religioso, o que há por trás da porta no altar e quem lá entra ou quem de lá sai.

E há velas fininhas e medalhas que são oferecidas às imagens com muita devoção.


E lá estava “o rochedo mais bonito do mundo” a lembrar o desenho do Principezinho, da cobra que engoliu um elefante!

Monemvasia fica do outro lado do rochedo, o lado sul, na encosta voltada para o mar Egeu.

A vila está ligada a terra por um istmo, que curiosamente é uma palavra de origem grega e que quer dizer pescoço em português.

Atravessa-se as águas límpidas como cristal até ao rochedo onde não circula qualquer tipo de veículo.

Estaciona-se à porta e, assim que se entra a muralha, percebe-se porque nenhum veículo ali circula, as ruinhas são como caminhos privados entre casinhas.

Monemvasia foi fundada pelos bizantinos no século VI e é uma cidadela medieval encantadora. A fortaleza é chamada “Gibraltar do Oriente” e foi ocupada por bizantinos, cruzados, venezianos e turcos.

O “Kastro” – (castelo), é dividido em duas partes, a cidade baixa e a cidade alta.

Não fui até à cidade alta, porque os caminhos são íngremes e com degraus, e o calor não me inspirou a subir.

Afinal há carrinhos a circular ali, carrinhos de mão que, pelo ar de quem os manobrava, eram difíceis de controlar!

Há recantos tão bonitos para explorar na cidade baixa, que me ocupei por ali, a fotografar e a desenhar.

A vontade era ficar ali por horas a explorar e desenhar, porque é tudo tão bonitinho e acolhedor!

Só para viver um pouco daquela atmosfera valeu a pena descer todo o Peloponeso antes de ir para Atenas.

Acabei por me instalar na pracinha central onde não faltam esplanadas de cafés e restaurantes, para me refrescar e curtir o ambiente.

E, acompanhada por uma cerveja gelada, acabei por me por na conversa com turistas e residentes sobre banalidades do dia-a-dia por aquelas paragens.

Lentamente, como quem não tem vontade de ir a lado nenhum, lá fui caminhando até à saída para me fazer de novo à estrada.

Monemvasia em grego, significa “entrada única” e eu lá saí pelo mesmo caminho por onde entrei, para começar a subir para Atenas.

Por aquela altura a minha mão esquerda começava a falhar e eu só rezava para que não me aparecesse nenhuma novidade inesperada, que me obrigasse a ações repentinas, porque eu sabia que não conseguiria.

Felizmente as estradas eram poucas e pouco movimentadas, sem muito assunto para eu me distrair. Ainda tive um ou outro momento de algum stress, quando um carro me aparecia de repente, vindo não sei de onde, e entrava na minha frente, sem imaginar o quanto eu estava limitada na minha rapidez de reação.

Eu não queria ir direta a Atenas pelo caminho mais curto, não queria fazer autoestrada, e queria chegar-me à costa leste assim que a montanha me permitisse. Por isso fui passando por povoações fora da estrada principal, em perspetivas encantadoras.

A montanha que eu atravessara no dia anterior aparecia ao longe, imponente e com nuvens por cima. Do outro lado devia estar a chuviscar, segundo as previsões. Sorte a minha que andava à frente do mau tempo, deixando-o a molhar os caminhos que já fizera.


Finalmente cheguei a Astros, junto do Golfo Argólico, quando a terra começa a curvar para outro braço de terra onde fica Náuplia.

Astros é uma terrinha sem grandes atrativos, daqueles sítios onde a gente pára porque tem um quiosque que serve bebidas frescas.

E ainda bem que parei, porque refresquei a garganta e o pulso, para depois enfrentar a ventania de leste que atirava até a água para a estrada.

Quando eu andava pela Islândia sentia-me confusa porque, como não há arvores por lá, não conseguia prever de que lado vinha o vento, mas agora, com as palmeiras a vergarem à força do vento, já não achava tão reconfortante ver o efeito que ele fazia. Era meio assustador!

Havia parapentes no ar com aquela ventania! São malucos os gregos? Se eu me via grega a conduzir a moto no chão, eles não stressariam no ar?

Quando está vento e atravesso uma localidade, sinto-me bem mais confortável, ao menos se eu cair alguém estará por perto para me ajudar a levantar. Não, eu posso fazer tudo menos cair, nem queria imaginar a avaria que seria se eu caísse e me magoasse na mão marota!

E lá estava Náuplia, com a sua fortaleza de Palamidi no topo do monte. Seguramente que eu não subiria lá acima. É daquelas coisas que eu prefiro apreciar cá de baixo, embora imaginasse que o golfo e a cidade vistos lá de cima deveriam formar uma paisagem impressionante. Mas com aquele vento todo, a subida com curvas, carros e camionetas à mistura, e a minha mão a doer cada vez mais e a perder a força… eu não arriscaria!

A cidade foi fortificada pelos venezianos no século XV para se proteger contra os piratas.

E o castelo de Bourtzi, no meio do mar! Tal como a fortaleza no monte, o castelo é veneziano. Bourtzi significa torre em turco, e é o que o castelinho é, uma torre no meio das águas do porto.

O castelo aquático impressionou-me bastante e confesso que me apetecia apanhar um barco e ir lá vê-lo de perto.


Lá segui, meio relutantemente, maldizendo a minha incapacidade de explorar mais em pormenor.

Claro que o azul quase artificial do mar me reconfortaria bastante, afinal ainda havia muita coisa para ver e para viver e eu poderei voltar a passar ali noutra viagem qualquer, sem limitações na condução.

E então lá estava ele…

Parece uma ponte comum, quando a gente o atravessa concentrada na estrada, mas na realidade é uma obra impressionante, o Canal de Corinto.

Foi construído no final do século XIX, meio a “pá e pica”.

Já um dia o atravessei sem perceber que era ali, mas desta vez eu ia atenta e não o deixaria passar debaixo das minhas rodas sem parar para o apreciar.

O Canal de Corinto liga o Golfo de Corinto ao Mar Egeu e, literalmente, rasga o Istmo de Corinto, que liga Peloponso à Grécia continental, para fazer esta ligação.

Não é muito longo, tem pouco mais de 6 quilómetros de comprimento, mas é impressionante porque é profundo, como se o mar ficasse entre paredes.

Ele permite a circulação rápida de barcos desde o golfo até ao mar Egeu que, antes da sua construção, teriam de dar a volta a toda a península de Peloponeso, o que alongava a viagem para mais de 700 quilómetros.

Uma obra que foi primeiramente pensada pelos romanos, para acabar por ser realizada apenas 20 séculos depois.

Como é bastante estreito, tem pouco mais de 20 metros de largura, não permite a passagem de grandes barcos, por isso apenas barcos de médio e pequeno porte lá passam.

É claro que o desenhei! Ainda bem que a mão marota era a esquerda, senão não poderia ter desenhado coisa nenhuma.

A sensação de deixar para trás coisas que queria ver e não podia, tinha-se desvanecido e foi cheia de satisfação que segui pela costa até Atenas, entre carros que não podiam andar, mas me davam passagem, por caminhos meio sinuosos e em estado manhoso, entre zonas portuárias e zonas industriais sombrias.

Em Atenas havia um problema no meu alojamento, que não podia receber os hospedes por causa de uma avaria elétrica.

O dono estava todo aflito a tratar de arranjar alojamento para toda a gente e encontrou um sítio bem fixe para mim. Fiquei instalada mesmo no centro da cidade a preço bastante económico e junto de restaurante, bares e festa!

Que belo serão passei numa esplanada bem gira, “Los gatos”, com sangria, música e gente bem-disposta sem perturbar demais o meu sossego.

Amanhã vou passear pela cidade de que já tenho saudades, e depois subir o país.

andardemoto.pt @ 10-3-2024 12:30:00 - Gracinda Ramos


Clique aqui para ver mais sobre: Opiniões