Gracinda Ramos

Gracinda Ramos

Professora de artes, pintora e motociclista de todos os dias.

OPINIÃO

Passeando pela Grécia/Balcãs – a tarde em Delfos e o serão em Meteora

Hoje subiria o país e havia coisas que não queria perder de todo. Planeava mesmo passar grande parte do tempo a explorá-las. Mas antes havia Atenas.

andardemoto.pt @ 14-4-2024 17:38:00 - Gracinda Ramos

O meu dia não seria dedicado à cidade. Havia coisas que eu queria ver por lá, mas não subiria à Acrópole. Ainda tinha viva a memória do calor infernal que lá passei anos atrás. Calor e turistas aos magotes, tudo o que eu não queria ter de enfrentar naquele momento.

Os gregos são muito práticos quando se trata de estacionar uma motoca, encostam-na em filinha na berma das estradas, junto aos passeios, e pronto! E ninguém parece arreliar-se com isso.

Eu, como nem sou grega, nem tenho uma motoca, lá encontrei um estacionamento para motos, não fosse aparecer um polícia maldisposto, que não gostasse de ver uma portuguesa fazer como os gregos, na sua terra, e multar-me. Afinal arranjaram-me um alojamento novo, mas sem garagem… não se pode ter tudo!

A porta de garagem que existia junto ao alojamento, bem original por sinal, era na realidade a porta de um bar, que trancada ficava um moral.

Eu estava hospedada na Plaka, o coração da cidade, cheia de movimento. Não era fácil para mim andar por ali a fazer o esforço por conduzir com precisão pelas ruelas até encontrar um sítio para estacionar.

Atenas é um museu a céu aberto e, a cada vez que lá volto, exploro mais um pouco. Desta vez fiquei-me pela Plaka e as suas ruínas.

Andei a ver os chapéus, a verdade é que eu estava a precisar de comprar um novo, que o meu estava bem gasto, deformado e meio desbotado. Mas aqueles eram de palha, muito claros para mim, chapéus de verão.

A beleza em redor inspirava-me para tomar um pequeno-almoço calmo e requintado, longe da confusão, da gente que passa e do barulho dos carros. Encontrei um sítio tão simpático e reservado, sem ser fechado, e fiquei tão contente ali.

Pessoas vieram e foram e eu calmamente no meu canto. Às vezes é preciso não ter pressa para nada e em viagem é quando sabe melhor. Já basta em tempo de trabalho, quando tenho horas para cumprir e pequenos atrasos podem ser faltas, a qualquer hora do dia.

As ruínas do antigo mercado romano parecem ruínas de um templo!

A Biblioteca de Adriano ficava mesmo ali. Não havia muitos turistas por isso podia andar à vontade. Acho que àquela hora os turistas ou estavam nas esplanadas ruidosas a tomar o pequeno-almoço, ou se amontoavam para entrar em sítios mais chamativos como a Acrópole.

O edifício esteve subterrado por baixo de uma igreja paleocristã, primeiro, e séculos depois por uma basílica, até que no final do século XIX um incêndio no local deixou aparecer magnificas e enormes colunas de mármore. Então, depois de grandes escavações foi restaurada e ficou como a vemos hoje.

Impressionante a importância que uma biblioteca tinha há tantos séculos! E pensar que hoje, século XXI, há quem ache que é uma perda de tempo e que nunca tenha entrado numa…


A minha moto tinha chamado a atenção e aqueles dois foram-se pôr perto dela, logo à minha chegada. Acho que o meu ar ao pousar a moto e colocar o chapéu não os inspirou a aproximarem-se. Mas ao meu regresso eles meteram conversa com um “Beautiful bike!”

Eu compro sempre a moto que gosto contra tudo e contra todos, mas quando alguém diz que ela é linda, fico sempre vaidosa.

E com o seu inglês macarrónico, lá me pediram para tirar fotos junto dela. E sim, ambos tinham smartphones decentes para tirar fotos, eu mesma os usei para os fotografar. Claro que também tirei uma com o meu telelé, para memória futura.

Dei mais uma volta pelo centro com a moto para ir embora e, ao passar no portão de Atena Archegetis, tive de parar um pouco para registar o momento em que a minha motita lhe passou em frente. Afinal é uma das construções mais importantes e imponentes que restam da Ágora Romana!

Numa última olhada sobre a Ágora podia ver a Torre dos Ventos, rodeada pelas colunas de mármore, e a colina da Acrópole ao fundo.

Ok, vamos ver isto tudo de longe e vamos embora.

Eu queria subir ao Monte Lykabettos, o ponto mais alto da cidade, dizem que tem 277 metros de altitude. Reza a lenda que, em tempos, ali era um refúgio de lobos e que daí poderá ter surgido o nome, já que lobo em grego é “lycos”.

Há um funicular que leva lá acima, que eu nunca vi porque subo sempre pela estrada, além de que ele não é visível da rua, pois sobe por um túnel até ao topo. Lembro-me de quando fui lá a primeira vez, guiei-me pela sua silhueta na noite e fui subindo ruas ingremes e cheias de curvas sem ter a certeza de que a minha moto, uma PanEurpean na época, passaria nos sítios onde a metia.

Desta vez sentia-me bem menos confiante, mesmo com uma moto muito mais leve e ágil. Mas as subidas ainda me angustiavam tanto!

Chegando ao estacionamento há uma série de degraus para subir e as perspetivas sobre a cidade e o próprio monte vão-se revelando.

Na realidade o estacionamento é um pouco mais afastado, eu é que pus a minha motinha num canto de jardim mesmo em frente às escadas. Os senhores que estavam lá a tratar de uma buracada qualquer acharam que era um bom sítio para eu a pôr… e eu também!

A Suprema Sacerdotiza, Pitia, era a ligação entre os deuses e os humanos e, para comunicar, entrava em transe inalando gases libertados pelas montanhas (ou usando drogas, digo eu!) sendo as suas mensagens interpretadas pelos sacerdotes, acreditando-se que ela era a voz do próprio Apolo. Agora imagine-se o poder daquela mulher!

Felizmente não estava muito calor, mas mesmo assim quando cheguei ao restaurante no topo das escadas, tive de comprar uma garrafa de água fresca pois estava a desidratar.

Lá em cima a capela de S. Jorge e a torre sineira assinalam a chegada ao ponto, como recompensa.

A perspetiva sobre a cidade, a partir dali de cima, é verdadeiramente de 360º!

A norte do monte há umas “ilhas” verdes onde eu já passei há uns anos, podia vê-las ali de cima. Eram mais interessantes vistas de longe que no local, como acontece tanta vez.

A cidade está por todo o lado e a Acrópole, em frente a mim, na direção do mar, como a cereja em cima do bolo.

Ligeiramente mais a sul, ao longe fica o estádio Panathinaiko, imponente, um dos estádios mais antigos do mundo totalmente construído em mármore branco.

Depois há a portinha que dá para uma escadaria que leva até lá abaixo à cidade e, provavelmente, também ao funicular. Honestamente não desci muito para verificar. Tudo o que desce volta a subir e a minha moto estava no outro lado do monte, cá em cima.

No próprio Monte há um anfiteatro moderno ao ar livre, com uma estrutura metálica impressionante, onde já atuaram artistas como Bob Dylan, Ray Charles ou os Scorpions. Deve ser fantástica a sensação de estar no topo da cidade a assistir a um concerto!

Já vai sendo comum encontrar bichinhos giros no meu caminho por aquelas paragens. Fui a correr tirar o cágado da rua, só para lhe por a mão antes que ele saltasse em velocidade alucinante para a berma!

Eu não ia para muito longe de Atenas, mas precisava de todo o tempo possível para explorar o sítio.


Segui o meu caminho, primeiro meio plano, depois começou a subir e a paisagem a ficar mais interessante. Cruzei Aráchova, um mimo de terrinha que já fica acima dos 900m.

Sempre mais interessante ver estas povoações do exterior que desde as ruas que as atravessam, mas fofinha mesmo assim.

Um sítio muito oportuno para me abastecer para as horas em que não teria nada para comer ou beber.

E cheguei a Delfos…

Não posso negar que foi um momento muito especial para mim chegar ali… Delfos o “umbigo do mundo”.

Reza a lenda que Zeus, o rei dos deuses, procurava o centro da terra, por isso soltou duas águias de extremos opostos da terra, voando em direção uma da outra, e elas encontraram-se em Delfos. Naquele ponto foi colocada uma pedra oval, que é um formato de boas energias. Esta pedra oval chama-se ônfalo em grego, que quer dizer umbigo e daí surgiu a alcunha.

E na antiguidade, Delfos era mesmo o centro do mundo, vinha gente de todos os lados para consultar o Oráculo, gente de todas as classes, desde nobres, reis e políticos até gente comum, à procura de orientações, respostas a questões específicas e prever o futuro.

Depois chegaram os romanos e acabaram com aquilo tudo e pronto, o oráculo perdeu todo o interesse e a cidade decaiu.

Delfos fica encrostada na costa sul do monte Parnasso com o Golfo de Corinto no horizonte, depois do vale.

Delfos ficará na minha memória como o sítio arqueológico mais belo que vi…

Pode até nem ser, mas a localização e a carga emocional que ele teve para mim foi mais impactante que o Fórum Romano de Roma, o Coliseu ou Olympia.

Por isso dispus-me a passar ali o tempo todo que me apetecesse!

Tesouro de Atenas, uma das capelas que rodeavam o Templo de Apolo.

Havia outras, cada uma dedicada a uma cidade-estado e chamavam-se tesouros porque continham as oferendas da cidade correspondente ao deus, para comemorar as suas vitórias. Esta era a de Atenas e é a única que foi restaurada.

Aquele capitel Jónico, enorme, fascinou-me! Para ele ser daquele tamanho, a coluna que ele encimava seria gigantesca.

A forma como eram empilhadas e encaixadas as pedras e tijolos sempre me fascinou. Como um puzzle belo e muito bem montado!

E lá estava a Coluna das Serpentes, ou a sua réplica já que a original continua em Istambul, antiga Constantinopla, para onde Constantino I, o Grande, a mudou uns 300 anos dC.

Ela era parte de um monumento de bronze em forma de coluna espiralada. Originalmente tinha cerca de oito metros de altura, hoje tem apenas seis, já que perdeu elementos. Foi erguido em Delfos como oferenda a Apolo, 478 anos aC, para comemorar a vitória grega sobre os persas.

E logo a seguir estava o Templo de Apolo… ou o que chegou até hoje.

Ainda é possível ver a sua enorme dimensão. Devia ter sido um monumento impressionante!

Acho que sentei o rabo em todas as pedras que encontrei e fui desenhando aqui e ali, sempre que havia uma sombra oportuna e ninguém em redor para me incomodar.

As perspetivas são impressionantes à medida que se vai subindo. Aquela gente sabia escolher o sítio para viver!

A perspetiva vertiginosa sobre o anfiteatro e o vale é verdadeiramente fascinante. Fácil de perceber porque sempre aparece na net quando se pesquisa por Delfos.

Não sei quanto tempo fiquei sentada a olhar, mas mesmo com outras pessoas por ali a caminhar, parecia que o local absorvia todos os ruídos, e só sobrava o leve ronronar de água ao longe.

Quando visito aldeias penduradas em colinas sempre me pergunto como as pessoas faziam para subir e descer toda a encosta do monte vezes sem conta.

Na realidade aquilo subia que se fartava e os desenhos que foram feitos imaginando o povoado em seu apogeu são inspiradores, com o enorme templo de Apolo a dominar tudo e o anfiteatro logo acima. Impressionante!

Desci à rua, finalmente, pois a outra parte das ruínas fica do outro lado da estrada.

Fiz alguns desenhos como por exemplo o do capitel Jónico que me fascinou…

Desenhos do teatro ficaram só no esboço e acho que um ficou muito fofinho.

Também desenhei o templo de Athena Pronaia que está localizado a alguma distancia do centro das ruínas principais. Na antiguidade ele ficava à entrada de Delfos e era dedicado à deusa Atena para que ela protegesse o seu meio-irmão Apolo.

Fiquei ali por horas. Podia ver o vale lá em baixo e a estrada que iria percorrer ao continuar o meu caminho por estradas bem inspiradoras, por sinal!


O sol ficou para trás à medida que eu ia subindo o país. Parece que é assim em todos os países, o norte é mais dado a nuvens e tempo incerto que o sul! Será?

São aqueles percursos que ameaçam de tal maneira com uma carga de água a qualquer momento, que nem apetece parar, só para tentar escapar à chuva.

Mas eu parei e segui, as nuvens passaram de ameaçadoras a assustadoras e de assustadoras a aterradoras!

Mas se há coisa que eu não tenho é medo de chuva, por isso segui cantando e assobiando e a chuva não me alcançou até eu chegar a Meteora!

No alojamento disseram-me que não saísse pois vinha aí uma carga de água… mas eu não conseguiria ficar quieta com aquelas enormes pedras a chamarem por mim.

A primeira vez que fui a Meteora apaixonei-me pelo local, pela atmosfera, pelas pessoas e pela comida.

Dizem que a gente não deve voltar ao local onde foi feliz e eu sempre fico com receio de estragar memórias agradáveis que trago comigo. Mas cheguei e tudo voltou! E foi mais forte do que eu, aquela vontade de ir lá acima conferir se tudo era como eu me lembrava.

Aquela sensação de voltar ao interior das enormes pedras, fez tudo ser tão familiar como se lá tivesse estado poucos dias atrás.

A estrada continua boa e com perspetivas de cortar a respiração!

Havia gente por ali acima à espera do por-do-sol. E os do alojamento com receio que eu subisse por causa da chuva que vinha aí. Aquelas pessoas estavam a pé, de t-shirt, e iriam apanhá-la toda, mais facilmente do que eu, que estava de moto e poderia descer rapidamente a qualquer momento.

É tão esquisito que se pense que eu estou mais desprotegida de moto que outras pessoas a pé, não é?

Os pontos mais famosos de observação do pôr-do-sol no vale estavam cheios de gente, havia várias das famosas Vans que levam os turistas até aqueles pontos e havia eu que andava a passear, como quem confere se todos os mosteiros ainda estão no seu lugar desde a última vez que ali passei.

O horizonte estava a iluminar-se, provavelmente o sol iria, pelo menos, avermelhar as nuvens!

Ao longe, os turistas em cima do grande rochedo, pareciam formigas eufóricas pela perspetiva de ainda vislumbrarem o sol.


E realmente o sol espreitou um pouco no último momento, como se quisesse dar um pequeno espetáculo para quem se dispôs a esperar por ele, contra todas as expectativas de chuva que o céu cinzento deixava adivinhar.

Não precisei de subir à grande pedra, afinal, da rua tem-se uma visão muito parecida, só que sem ninguém em meu redor a fazer selfies.

Eu tenho uma foto com a minha PanEuropean ali, naquele sítio!

“Navegar” no meio daquelas pedras sempre me fascina e faz acelerar o meu coração!

Adoro Meteora e certamente esta não foi a última vez que lá passei…

Eu já fiz tantos desenhos lá, mas mesmo assim fiz mais uma série deles desta vez, para acrescentar à coleção, como o meu Mosteiro Ágia Tríada.

Estava na hora de ir comer qualquer coisa e, se bem me lembrava, havia ali um restaurante que eu conhecia, eu vira-o ao subir. Da última vez que ali estive, fiquei por três dias, para ter tempo de visitar diversos mosteiros por dentro, e fui jantar a um restaurante perto do alojamento nas 3 noites que lá passei.

Lembrava-me de ter gostado muito do serviço, da simpatia e da comida, por isso achei que seria uma boa ideia lá voltar.

Quanto tempo as pessoas se recordarão de nós, depois da nossa passagem?
Estive em Meteora em 2013, com a PanEuropean (a Magnifica) cheguei de noite e vinha cheia de fome. No alojamento receberam-me com alegria, uma senhora de moto!!! Perguntei se ainda haveria algum sítio onde comer. Disseram-me para subir uns 200 metros até este restaurante, a ver se ainda me davam comida. Deram! E era tão boa que aqueceu o meu coração. Hoje voltei ao mesmo sítio, a comida é de novo genial e toda a gente se lembrou de mim, do meu chapéu e da minha moto…. (era de outra cor, não era?).

O senhor sentado à porta do restaurante parece que ficou sentado ali desde a última vez que lá estive! “ciao bella” tudo igual, ao que me lembro!

Para o jantar costeletas de cordeiro grelhadas, acompanhadas do bom vinho branco grego geladinho, que delícia! Que digam os 3 gatinhos que se aninharam aos meus pés a ver se lhes tocava alguma coisa.

Foram eles a minha companhia ao jantar. Eram três gatitos novinhos, um deles era muito arisco para eu o apanhar numa foto sem flash.

Gatos sempre se aproximam de mim. Acho que sentem que eu os adoro.

E de presente um pequeno gelado, oferta da casa. O que eu gosto dos gregos!

E então veio o temporal, o céu desabou sobre Meteora como meteoritos, de tão grossas que eram as gotas de água. Mas só depois de eu chegar a “casa” e me sentar no alpendre a arrefecer o meu pulso febril.

Sentia-me feliz! Amanhã sigo para norte…

andardemoto.pt @ 14-4-2024 17:38:00 - Gracinda Ramos


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