Susana Esteves

Susana Esteves

Jornalista e motociclista

OPINIÃO

Sem rumo…

Não é para quem quer, é para quem pode.Acordei com necessidade de andar de moto. Não é vontade, é mesmo necessidade. De pegar e ir. Não sei explicar melhor… parece coisa de maluca, mas descobri que não estou sozinha.

andardemoto.pt @ 4-8-2024 12:30:00 - Susana Esteves

Então fui. Sem rumo. A ideia era dar um passeio pela manhã e regressar. Fui pela serra até à praia, a minha volta preferida, mas depois segui.

Já alguém seguiu viagem só pelo puro prazer de andar de moto, relaxar, sem velocidades, e depois “acordou” num local a pensar: mas como vim aqui ter? Pois, foi o que aconteceu. Acabei a manhã em Fátima, e a ideia era seguir mais um pouco antes de regressar, mas no Santuário encontrei dois motociclistas que me mudaram os planos.

O Italiano fez o que eu fiz: saiu de casa e foi dar uma volta, “parou” em Fátima. Foi nessa altura que percebi que não era a única maluca. Aliás, sou uma menina ao pé deles.

Em Espanha encontrou um holandês e seguiram viagem até Portugal. Pelo caminho deixou um casal da Hungria, que fez o mesmo. Saiu para dar uma volta…. e a viagem foi um pouco maior.


Porquê?

 “Pela liberdade. Faz-nos sentir vivos. São viagens que nos enriquecem mais que um ou dois anos de rotina em casa. Conhecemos e aprendemos coisas que nunca de outra forma conseguiríamos. O facto de não termos nada programado, as nossas coisas e o nosso conforto, dá-nos um banho de humildade e de realismo muito grande. Nós não vivemos, sobrevivemos aos dias, e aproveitamos da melhor forma, mas vivemos presos por regras e numa bolha que nos impede de conhecer o mundo, as pessoas, de sentir as dificuldades, a maldade e a bondade. E é esta experiência que nos ensina mais que qualquer curso.” – Esta foi a resposta!

Mas isto não é para quem quer é para quem pode. O italiano viajava há mais de um mês, e o holandês há 3 semanas. Não há trajetos, é onde “o instinto me levar”. Mas também não há famílias, nem empregos das 09h às 18h, nem terceiros dependentes.

O Italiano tinha vendido uma empresa de TI. “Podia estar nas melhores ilhas e nos melhores hotéis a viver à grande, mas nada me dá maior prazer que pegar na moto e seguir por aí.”


Pelo caminho tinham encontrado outros motociclistas assim. Saíram um dia… e ainda não voltaram.

Esta liberdade não tem preço, e é um espírito das duas rodas que me atrai imenso. Não tenho vida para fazer o mesmo. Como dizia o italiano, eu sobrevivo aos dias e tento fazer o melhor, mas quando “for grande” gostava de fazer o mesmo. Conhecer duas pessoas assim com discurso inspirador e espírito livre, naquele local, fez com que toda a minha viagem de regresso fosse de introspeção. Afinal, do que abdicamos todos os dias? O que realmente valorizamos na vida?

Depois, tudo passa e é “esquecido” quando enfrentamos a nossa realidade e o ritmo do dia-a-dia. Mas há sempre algo que fica a remoer.

Por enquanto, quando saio sem rumo, faço apenas umas centenas de quilómetros e regresso. Mas um dia hei-de fazer milhares, e depois conto.

andardemoto.pt @ 4-8-2024 12:30:00 - Susana Esteves

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