Susana Esteves
Jornalista e motociclista
OPINIÃO
O belo som do alcatrão a rasgar a pele
Quando muita coisa nos começa a fazer comichão e a enervar é sinal de que estamos a ficar velhos, ou que a experiência nos torna mais inteligentes?
andardemoto.pt @ 17-8-2024 12:30:00 - Susana Esteves
Abriu a época do chinelo, do calção e da roupa leve, da pele a sentir a deslocação do ar fresco enquanto rodamos punho, das viagens leves sem casacos apertados, luvas quentes e roupa justa.
A sensação de viajar de moto sem casacos, luvas, calças e demais acessórios é inigualável e viciante no verão. Concordo! Mas é das maiores irresponsabilidades que vejo na estrada.
Homens, mulheres, crianças, basta sair de casa para ver tudo “à vontadinha”. E defendo que cada um sabe de si, que a nossa liberdade de escolha não tem de ser questionada ou criticada, mas será que alguns riscos valem a pena?
Há 3 anos tive um acidente de moto grave. Ia a 30 e um carro que entrou em contramão atingiu-me. As minhas luvas, de qualidade, com reforço rígido em cima, ficaram totalmente rasgadas. O alcatrão comeu 3 camadas desse reforço. O meu casaco, de pele, com todas as proteções ficou irreconhecível na zona do braço. O alcatrão comeu a pele, o forro, e parte da proteção do cotovelo.
Nas minhas botas, estilo militar, ficou um buraco.
Podia detalhar mais…, mas não vale a pena. O exercício é: Como teria ficado a minha pele, carne, ligamentos, ossos, se fosse de t-shirt, chinelos e calções.
Alguém pensa nisto? Pior ainda, pensa: Como ficará o meu filho/filha, que transporto à vontadinha, se isto acontecer?
E não valem os argumentos: vou devagar; tenho anos disto; é já ali.
Eu circulava a 30, foi a 5 minutos de casa, a culpa não foi minha e a minha experiência de nada me serviu no momento.
Há alguns anos parei para ajudar um senhor que caiu. O alcatrão comeu o casaco (polar) dele, a pele, a carne e quase a totalidade do osso do cotovelo.
Vale a pena?
Infelizmente, quem tem um círculo de amigos amantes das duas rodas já provavelmente perdeu alguém num acidente de moto, ou conhece alguém. Eu já, mais do que uma vez. E todos os dias, antes de sair de casa me lembro disso e pergunto: vale a pena?
O ano passado morreram mais 25,3% de pessoas em acidentes de moto e houve mais 36,5% de feridos graves face a 2022, dados da ANSR.
Não costumo escrever textos sérios, mas fiquei perturbada com algumas coisas que vi no fim de semana. E isto pode ser conversa de velha, de piegas, de careta. Mas na verdade é conversa de quem já sentiu a dor e a perda e juro-vos, não vale a pena.
Tudo muda em segundos.
Boas curvas, bom verão
andardemoto.pt @ 17-8-2024 12:30:00 - Susana Esteves
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