As motos e a bola

Desiludi-me com o futebol português há mais de uma década. Eu, que era adepto ferrenho, era capaz de discutir (as táticas, o talento das personagens, o espírito de sacrifício de uma equipa!) com qualquer outro interlocutor que estivesse com vontade de ter uma boa conversa com opiniões divergentes. Uma conversa cheia de argumentos regados com paixão e não com ódio e mesquinhez. Começaram a ser raros esses momentos. O asco sentido pelo fel de tudo o que rodeava a bola tornaram-se grandes demais, o jogo tinha-se afundado na parte pior do ser humano, o extremismo.

Hoje em dia, as corridas em duas rodas trazem-me a paz de espírito e a tranquilidade em saber que numa pista é praticamente impossível existirem manipulações de bastidores. Não só aqueles tipos arriscam a vida na mais fina margem do centésimo de segundo, como a magnitude do seu ego faz com que sejam menos permeáveis às vontades de uma equipa. Mas o fã consegue ficar toldado pela emoção, o fã é um bicho que reage de forma cega na hora de encarar factos. E hoje em dia, nunca foi tão fácil procurar uma corrente que nos leve até à foz da nossa verdade.

Este GP de Aragão viu o regresso de um dos heróis mais bipolares do circo. Marc Marquez vive no exagero do seu talento, e as meias medidas não fazem parte do seu modus operandi. Um constante tudo-ou-nada polvilhado com doses irreais de insensatez e bravura inconsciente. Amado e odiado, a sua histórica passagem pelo desporto fez-se de rivalidades com outros monstros, num ciclo que (para ele) ainda não terminou. Mais uma vez, viu-se envolvido em polémica, afectou o campeonato e teve a sorte de serem menores as consequências para os envolvidos. 

Agora é a parte em que vos digo que acredito ter sido um incidente de corrida. Alimentado pelo excesso de quem não sabe fazer as coisas de outra maneira, é certo. Mas esta é a minha visão do evento. E discuto-a com quem acho que merece. Muitas vezes (quase todas) sem consenso, mas sempre com o ideal maior de não perder o respeito pelo outro lado. E porque até posso estar eventualmente errado, prefiro perder a batalha com a honra de ter aprendido algo. No extremo, até pago uma cerveja!