Pedro Alpiarça

Pedro Alpiarça

Ensaiador

OPINIÃO

O inevitável

Um dia igual a tantos outros, uma estrada de montanha a descer, piso irregular, um ritmo bem longe do exagero, uma curva apertada sem visibilidade no seu interior. As duas motos que seguem à frente resolvem a travagem por linhas diferentes, a primeira entra larga e a segunda entra bem perto da berma. 

andardemoto.pt @ 29-8-2022 15:36:36 - Pedro Alpiarça

Eu vinha no meio, e assim que procuro o apex, a moto desapareceu debaixo de mim. A mancha de gravilha era da cor do asfalto e eu fui o escolhido para lhe acertar em cheio. Pouco havia a fazer, disseram-me em jeito de consolo.

Cada vez mais tenho tendência a racionalizar tudo o que me acontece. Não gosto de acreditar nos azares e sortes da vida, creio sermos um produto das nossas escolhas, o que na Física se chama de par ação-reação.

Talvez seja pelo passar dos anos, talvez seja pela consciência de ter pequenos seres dependentes de mim, o que é facto é que cada vez mais a razão prevalece. Com isto não quero dizer que a cegueira da adrenalina não surja, mas cada vez mais em ambientes controlados.


A inevitabilidade de uma queda perturba-me. A velha máxima que diz que há dois tipos de motociclistas (os que já caíram, e os que estão por cair), já foi ouvida por todos nós. Equipamo-nos, rolamos a 60% das nossas capacidades em estradas desconhecidas e acreditamos que vamos ter ferramentas para lidar com o imprevisto.

Da mesma maneira que considero a linha separadora central um muro, e cálculo as minhas trajectórias com essa marca, também tento manter uma visão mais abrangente para ler as condições do piso. Pouco havia a fazer, disseram-me em jeito de consolo.

Na moto, os danos foram menores, permitindo continuar a viagem. O capacete e o blusão ficaram irremediavelmente danificados ao cumprirem o seu propósito. Mas o ego não recuperou. As respostas que queria encontrar, o erro que queria corrigir, a atitude que queria mudar ouviu-se num grito de revolta que não teve eco.

Não foi a primeira e certamente não será a última, até porque conto Andar de Moto enquanto o corpo o permitir. Valha-nos a humildade de aceitar o inevitável, pois a paixão que nos une tem por vezes um sabor amargo. No dia seguinte a alma estava mais dorida que o corpo, mas em caso de dúvida… acelerei de novo.

andardemoto.pt @ 29-8-2022 15:36:36 - Pedro Alpiarça


Clique aqui para ver mais sobre: Opiniões