A escolha

O João tem um amigo que trabalha no mundo das duas rodas, já as testou e o João sabe disso, porque já o leu e viu os vídeos. De mansinho, faz a clássica abordagem, e a expressão do “tu é que percebes disto” é disparada sem pejo nem pudor.

O João já experimentou as duas concorrentes, fez uns quilómetros, discutiu preços e retirou conclusões. Abre o envelope argumentativo para justificar a dúvida, brinda com o copo bem alto celebrando as suas certezas.

“Tudo correcto, tudo válido”, diz o tal amigo, “O teu perfil motociclístico enquadra-se perfeitamente nessas escolhas, não só tendo em conta o nível da tua experiência, como também a utilização que lhes darás. Uma é mais desportiva, a outra é mais confortável, uma já traz o quick-shifter de série, a outra podes montar mais tarde. As tuas viagens serão com pendura? É desta que vais aos Picos de Europa? Tranquilo João, o que interessa é Andar de Moto” - diz-lhe o tal amigo.

A discussão mergulha no caldeirão da poção mágica e agiganta-se, surge a temida questão da fiabilidade mecânica, questionam-se o número de litros de restos de dinossauros por 100 km, e o IUC, meu Deus, e o IUC?!?

As respostas parecem apaziguar o tormento do João. Não é um calvário sofrido, entenda-se, é mais uma entusiasta gestão de expectativas para poder ganhar ímpeto para a compra. “O meu amigo conhece-me bem”, pensa o João, e tudo o que diz faz sentido e corrobora tudo o que pensava. O amigo conhece bem o João, e sabe que tipo de máquina o fará mais feliz.

A escolha parece óbvia para ambos.

E é neste preciso momento da conversa, que o João revela que existe outra moto, que mesmo não tendo absolutamente nada a ver com as anteriores, não consegue deixar de pensar nela. Que já leu tudo, já viu tudo, que vai testá-la para a semana só por descargo de consciência. O amigo ri-se e pergunta sobre os Picos, sobre os consumos, sobre as meias separadas por cores e a escova de dentes eléctrica. O João encolhe os ombros e diz que está apaixonado.