Pedro Alpiarça
Ensaiador
OPINIÃO
Frio para que te quero
São 7h da manhã e lá fora está um motor que acabou de ser acordado. No seu interior, as moléculas de combustível misturam-se com as do ar frio, que entram em catadupa, muitas mais do que o normal, uma verdadeira dor de cabeça para a pobre centralina que ainda não conseguiu aquecer o catalisador, um drama ambiental que acontece de forma impune.
andardemoto.pt @ 14-4-2023 12:30:00 - Pedro Alpiarça
Fumo, engasgos e soluços, um despertar rude. A culpa é do Euro 5. A culpa é do aquecimento global.
Ao lado da moto, divago nestas diatribes mecânicas enquanto limpo o pingo do nariz. Estão 5 ºC na rua, o astro Rei ainda não mostrou a sua força e eu sou o ser enchouriçado que vai tentar enfrentar a ausência de calor. Sim, porque a Física diz que o frio não existe, apenas temos a ausência de calor. Apetece-me mandar a Física e os seus pragmatismos semânticos àquela parte…
Não consigo alçar a perna por cima do assento porque tenho uma espécie de ceroulas técnicas por debaixo das calças do fato, que também têm forro. Sinto-me um boneco Michelin anão, parece que tenho o corpo repleto de fraldas e não me consigo mexer.
Coragem. Ao chegar ao primeiro cruzamento, a inércia provocada pela balaclava é tanta, que pareço aqueles idosos que arrancam sem olhar, virar a cabeça para ver se há trânsito é uma redundância desnecessária para quem já cá andou tanto tempo. “Agora vou eu, que eles param… eles param”.
Os primeiros quilómetros são uma luta constante contra a condensação no interior do capacete, tento respirar o menos possível, tarefa hercúlea quando só me apetece espirrar. Abre viseira, fecha viseira, escondo-me por trás do vidro frontal para diminuir as diferenças de temperatura… e de repente, ou melhor, sem dar por isso, chega o conforto de quem aceita os elementos. Há uma certa paz de espírito quando observamos a natureza asséptica do frio, tudo ao nosso redor parece mais limpo, mais espaçoso, mais puro.
Por esta altura, o asfalto começa a secar e está um glorioso dia de Inverno, as estradas estão vazias e os pneus fazem o seu melhor para manter a temperatura. O motor canta despreocupado com o seu pulmão cheio e eu já não espirro há umas horas, há aqui uma simbiose homem/máquina prestes a acontecer. A cor azul do céu e os dois dígitos no termómetro dão-me a fé necessária para acreditar que este vai ser mais um grande dia a Andar de Moto. Mas rápido, porque assim que o Sol cair começa tudo outra vez…
- janeiro 2023 -
andardemoto.pt @ 14-4-2023 12:30:00 - Pedro Alpiarça
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