Pedro Alpiarça
Ensaiador
OPINIÃO
A grande Viagem
A promessa tinha sido feita há muito. Depois de me ouvir falar de estradas boas para Andar de Moto e de imaginar toda uma aventura à volta da ideia, encheu-se de coragem e perguntou: - Então é este fim de semana que vamos viajar? Já desenhei o percurso no mapa!
andardemoto.pt @ 28-1-2023 09:30:00 - Pedro Alpiarça
Numa folha amarrotada pela inquietude típica da idade, estava uma linha que saía de Lisboa, subia o Tejo, passava por Alpiarça, descia a N2 com mergulho em Montargil e terminava no centro do Alentejo. Um desenho com uma tenda e uma fogueira com uns espetos intrigou-me:
- O que é isto?
- São Marshmallows Pai. Vamos assar Marshmallows.
O processo de negociação iniciou-se. Mesmo abdicando da dormida ao relento, o petiz não arredou pé e levou consigo lanternas de explorador e snacks vindos do outro lado do Oceano. Já na estrada, um mundo maravilhoso de sensações é-lhe apresentado, as paisagens e a sua envolvência são exponenciadas quando andamos expostos aos elementos, algo que nós (infelizmente) já tomamos por garantido…
- Txiii… Tantos tomates na estrada! Porquê Pai?
- Aqui há muitos campos onde os cultivam. Devem ter caído de um trator, ou camião. Já viste que só os encontramos nas curvas?
- Uaauu! Vou chamar a esta estrada a “Estrada dos Tomates”! Falta muito?
A paragem para almoço foi feita num cenário bucólico junto ao Tejo, onde o Tom Sawyer quis pegar num pequeno barco e rumar à capital. O espírito estava em alta.
- E a seguir, qual a próxima paragem?
- Vamos atravessar o rio nesta ponte de ferro e depois vamos passar por Alpiarça.
- Boooa! Achas que nos vão dizer adeus? Temos o nome da terra…
- Claro que vão. Vai ser um dia especial para eles!
Depois da selfie junto à placa, eu ia cumprimentando (discretamente) os transeuntes, e os que respondiam geraram uma profunda alegria no pequeno imperador que transportava atrás de mim.
- Paaaii… Falta muito?
- Estás a ficar cansadinho filho? Viajar de mota não é fácil, tens de ter resiliência. Vencer o cansaço.
- Está bem…vou cantar então.
Os quilómetros seguintes foram percorridos ao som de falsetes e batuques ininteligíveis, e a barragem de Montargil salvou a minha sanidade mental. A passagem pela N2 em direção a Montemor deu azo a um enorme entusiasmo, ele sabia o quão especial era esta estrada.
- Vai mesmo do Norte ao Sul? Mesmo da pontinha?
- Sim sim. Eu já a fiz muitas vezes, até já a fiz num só dia!
- Fogo, devem ser para aí uns mil quilómetros… Falta muito?
Chegados ao destino, era altura de colocar as brasas a trabalhar, e depois de umas suculentas espetadas devoradas ao mais puro estilo neandertal (sem a mãe por perto, ensinamos o nosso filho a ser homem… e a limpar a javardice, arrependidos…), demos por nós a esturricar umas estranhas esponjas brancas sob um céu estrelado alentejano.
- Puto. Sabes quantos quilómetros fizeste hoje? 270. Agora sim, és um viajante. Gostaste?
- Foi bom. Gostei muito das paragens porque o rabo começa a ficar dormente.
Nisto, provámos aquele pedaço crocante mas viscoso no interior, e o seu sabor artificial deixou na cara do miúdo uma estampa de profundo desagrado. Rimo-nos muito e chegámos à conclusão que os americanos não percebem nada de “comidinha da boa”.
- Pai… tens chouriço?Outubro 2022
andardemoto.pt @ 28-1-2023 09:30:00 - Pedro Alpiarça
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