Pedro Alpiarça
Ensaiador
OPINIÃO
Pérolas
O dia já ia longo em cima da moto. Tinha sido uma manhã trabalhosa mas profícua a ligar pontos, a juntar estradas para dar sentido a algumas voltas circulares (caindo no anglicismo de lhes chamar de “Loops”).
andardemoto.pt @ 26-8-2023 17:11:00 - Pedro Alpiarça
Na escolha de um determinado troço que se possa considerar digno de um roteiro, por vezes forçamos quilómetros com pouco interesse, apenas para podermos ter o luxo de rolar naquela secção específica.
Recordo-me de ter parado num miradouro para reorientar os azimutes, pegar nos mapas e fazer contas ao que conseguiria ainda explorar, antes de começar a pensar no regresso. Sendo um optimista por natureza, cedo aprendi que nos dias longos a andar de moto, a gestão de cansaço implica ter muito cuidado nos finalmentes. Confesso que já me despistei a cerca de 5 minutos do destino final. A ânsia de chegar levou à displicência, a concentração diminuiu, e as consequências são amargas demais quando colocamos em perspectiva os eventos. Um “era já ali” demasiado caro, para o ego e para a mecânica danificada.
Com esta reserva de energias em mente, comecei a planear a última descida da serra, sendo que o regresso ao hotel seria feito no meio do transito algarvio, sem grande história ou entusiasmo.
Mas havia a hipótese de testar mais uma estrada, só por descargo de consciência, sem grandes expectativas.
Plano delineado, mais uma playlist escolhida, e volto a aquecer a borracha desenhando as trajectórias com a fluidez necessária para não forçar o andamento.
Todas as estradas têm uma cadência que, quando lhes apanhamos o ritmo, permite-nos quase prever (sempre com reservas de segurança) a curva seguinte, numa espécie de transe motociclístico. Neste registo de endurance, dei por mim a ter de negociar curvas cada vez mais desafiantes, com bom asfalto e vistas deslumbrantes que surgiam sem pedir licença. Tinha descoberto uma pérola. Não existiam quebras na sua harmonia, esta pequena estrada de serra era absolutamente perfeita e nem o cansaço me permitia ignorá-la. Cheguei ao topo e voltei para trás. Fiz tudo de novo, mas com o gradiente inverso, só para confirmar de que estava na presença de algo único. Foram dados gritos de entusiasmo dentro daquele capacete e dancinhas ridículas foram ensaiadas no descanso das (poucas) rectas. Um êxtase patrocinado pela luz dourada do fim do dia.A sensação de descobrirmos uma estrada épica, sobretudo quando nunca tínhamos tido qualquer referência sobre a sua existência, é um evento único que nos marca. Deixamos algo de nós naqueles quilómetros onde nos tornamos unos com a máquina que adoramos. Sorte a vossa. Aqui a partilhamos. Só não consegui descobrir-lhe o nome…
andardemoto.pt @ 26-8-2023 17:11:00 - Pedro Alpiarça
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